A cada dia está mais difícil, no debate público, distinguir entre o que é falso e o que é verdadeiro. É uma realidade paradoxal, pois nunca o acesso aos fatos e aos dados verdadeiros foi tão amplo e nunca a informação correta esteve ao alcance de tantos, principalmente das autoridades públicas e dos formadores de opinião.
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Nos últimos dias, na esteira dos embates políticos entre Governo e Congresso sobre questões fiscais e tributárias, mais uma vez os produtores rurais, no momento mesmo em que começam a semear a nova safra, em meio às dúvidas eternas sobre o clima e sobre às incertezas dos mercados, são acusados sem razão por privilégios tributários e excesso de proteção estatal.
Se, de fato, a agricultura e a pecuária brasileiras desfrutassem de um status favorecido, isto não seria de modo algum uma condição imerecida.
Há pouco mais de 50 anos, o Brasil não era capaz de produzir sequer o suficiente para alimentar sua população. Neste mesmo tempo nossa falta de competitividade para exportar limitava severamente nossa capacidade de importar e impunha restrições ao crescimento da economia.
Hoje somos o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, exportamos para mais de 180 países e há vinte anos propiciamos ao país grande saldos comerciais no balanço de pagamentos e reservas cambiais de US$ 350 bilhões. Se tudo isto custasse amplos subsídios e renúncias fiscais, este custo seria largamente compensado pelos benefícios.
Acontece que esses argumentos não são necessários, pois o agro não desfruta de qualquer privilégio. De acordo com dados oficiais do Governo, no exercício de 2024 os subsídios federais a todas as atividades econômicas chegaram a R$ 642,8 bilhões, dos quais as chamadas renúncias tributárias representavam R$ 523,7 bilhões, mais de 80% do total.

Wenderson Araujo/Arte Globo Rural
Deste total de renúncias, apenas 13,9%, ou R$ 72,9 bilhões referem-se ao setor agrícola. Para comparação, Comércio e Serviços são R$ 132,2 bilhões (25,5%); Saúde – 78,3 bilhões (14,9%); Indústria 70,1 bilhões (13,3%); Trabalho 47,4 bilhões (9%); sendo esses os cinco principais.
Dos R$ 72,9 bilhões do Agro, 53,5% – R$ 39 bilhões – são decorrentes de uma política pública cujo foco é a população consumidora, não os produtores rurais. É a chamada Desoneração da Cesta Básica, que tem como objetivo diminuir os preços da alimentação para as famílias. A outra principal parcela da chamada renúncia é a isenção de impostos nas exportações – 13,9% do total, ou R$10,1 bilhões.
Nenhum país exporta impostos e todas as exportações brasileiras, de qualquer setor, são igualmente isentas, como é natural. Ou seja, 67,4%, dois terços das renúncias tributárias relacionadas ao agro são isenções que não foram desenhadas para beneficiar os produtores rurais, nem são privilégio.
Para aqueles, no Governo e entre alguns articulistas na mídia, que postulam por mais impostos sobre o setor produtivo para financiar os gastos de consumo do governo, um relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que nos países que compõem esta associação de países ricos, a média de subsídios aos setores econômicos é de 4,7% do PIB e a média global é de 4%. No Brasil é de 3,7% do PIB.
Todos os países subsidiam seu setor agrícola. A mesma OCDE publicou um estudo em que calcula o grau de subsídios em diferentes países. A União Europeia subsidia os produtores europeus com o equivalente a 16,9% do valor de sua produção, a China com 13,2%, o México com 13,7%, os Estados Unidos com 6,8%.
No Brasil, os subsídios não passam de 3,1% da nossa produção. A verdade é que somos uma das agriculturas menos subsidiada do mundo.
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Outra questão frequentemente objeto de interpretações erradas é o crédito rural. De fato, as operações de crédito rural para custeio das safras e investimentos têm um juro próximo da taxa Selic, abaixo, portanto, das taxas de mercado. O Orçamento da União ressarce aos Bancos uma taxa de equalização, destinada a cobrir a diferença de custos.
Na agricultura comercial brasileira, a maior parte do financiamento da safra vem do mercado, por meio de instrumentos financeiros como a Cédula do Produtor Rural e as Letras de Crédito do Agronegócio, além de créditos de fornecedores de insumos e Cooperativas. O Crédito oficial cobre menos de um terço das necessidades de financiamento.
Em 2024 o valor dos gastos fiscais com a equalização foi de R$12.8 bilhões. A maior parte destinou-se ao Pronaf, ou seja, à agricultura familiar, – R$ 7,7 bilhões, 60% do total. Apenas os 40% restantes, ou R$ 5 bilhões são destinados à agropecuária comercial, os médios e grandes produtores.
Com esse valor de R$ 12,8 bilhões a agricultura e a pecuária brasileiras produziram em 2024 o valor de R$ 1,46 trilhão de reais. Não foi certamente uma má aplicação dos recursos orçamentários.
A crer nos fatos, nem sempre nas opiniões, mais investimentos ao agro certamente seriam um ótimo negócio para o país.
*João Martins da Silva Junior é Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
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