
“Tucunaré, chamada geral”. O comandante Wender Farias acionou a tripulação e deu as ordens. Hora de partir. Seriam mais de 30 horas navegando pelo Rio Tapajós com uma carga de milho da estação de transbordo no distrito de Miritituba, em Itaituba (PA), até o porto de Santarém (PA) para exportação.
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Farias tem 30 anos de marinha mercante, percorrendo rios da região amazônica. Comanda tripulações nos barcos empurradores da Cargill, onde está há oito anos. Foi em uma dessas embarcações, o Tucunaré, que a reportagem do Valor viajou, entre 6 e 8 de outubro, para ver de perto o transporte fluvial de commodities agrícolas.
“Estou familiarizado com a região. Obstáculos, situações adversas, pontos críticos. Quem navega tem que conhecer para estar ciente do que vai ser feito”, afirma o comandante.
O movimento no Tapajós evidencia a importância que a Região Norte vem ganhando na logística do agronegócio. Levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostra que, de 2000 a 2024, a participação do Arco Norte nas exportações de soja passou de 31,7% para 34,8%. No milho, se manteve na casa dos 46%.
De janeiro a setembro, 37,5% da soja e 42,5% do milho exportado pelo Brasil saíram pelos portos da região. No mesmo intervalo em 2024, foram de 35,5% e de 53,3%, respectivamente.
Em Santarém, a Cargill opera um terminal de uso privado, de onde exporta soja e milho com origem no Centro-Oeste. O local tem capacidade para armazenar 114 mil toneladas e de movimentar, por ano, 4,9 milhões de toneladas.
“Somos uma correia logística terminal-porto. Em Miritituba, tem o rodoviário. Em Santarém, o navio esperando. É uma logística eficiente e bem apertada em termos de timing”, explica Rafael Albernaz, gerente de frota fluvial da Cargill no Brasil.
A tarde estava ensolarada na hora do embarque. Os três passageiros do empurrador, entre eles, a reportagem, subiram em uma lancha, que os conduziu até o comboio, preparado e carregado no local de partida, no leito do rio.
A tripulação tem dez pessoas, que se revezam em turnos de quatro horas intercalados com oito de descanso. O regime de trabalho dos profissionais é de 20 dias embarcado e dez de folga em terra.
Segundo o comandante, a boa comunicação é fundamental para garantir a eficiência do trabalho em equipe. Há os momentos de máxima atenção, e os de pausa e descontração. “Eu procuro instruir os colegas a fazer sempre o melhor. A gente forma uma família aqui, além da outra de casa”, diz.
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Para garantir que o tempo embarcado não tenha transtornos, o empurrador é projetado para garantir a autossuficiência dos ocupantes. Na sala de máquinas, abaixo de tudo, há equipamentos que tratam os resíduos e a água, entre outras estruturas para manter tudo funcionando.
Em um piso acima, estão a dispensa de alimentos e a cozinha, território da “Dona Rose”. Única mulher da equipe, a cozinheira Rosicleide Vieira da Costa prepara as refeições do dia, seguindo um cardápio pré-definido.
Eram quase 15h quando o comboio deu a partida e zarpou. O comboio tem duas filas de cinco barcaças, que somam mais de 30 mil toneladas de milho, amarradas ao empurrador. São mais de 300 metros de comprimento.
O Tucunaré tem autorização para conduzir composições de até 15 barcaças. Mas é tempo de baixa do rio. As viagens levam dez ou 12 barcaças.
Tudo dentro do previsto para esta época, explicam. Nada que impeça o transporte pela hidrovia. Bem diferente de 2024, quando a baixa foi tamanha que a empresa chegou a interromper a navegação. “Há diferenças de nível de água. Por segurança, a barcaça deve ter o calado maior que o empurrador. Se houver algum toque no fundo (do rio), conseguimos desconectar (o empurrador) e sair”, diz Albernaz.
O comandante Wender Farias observa que o rio mais cheio facilita o trabalho. Mas confirma que, neste ano, mesmo no período de baixa, o Tapajós tem boas condições de navegação, permitindo a passagem segura pelos pontos considerados críticos.
“A natureza está sendo bem parceira. Temos água suficiente para navegar. Sem risco de parada. O máximo que pode acontecer é reduzir carga”, diz ele, acrescentando que o Rio Madeira, onde também já navegou, tem mais obstáculos do que o Tapajós.
À noite, o comboio não para. O trabalho da tripulação também não. No passadiço, onde fica a cabine de comando, todas as luzes também são apagadas para evitar distrações. Permanecem ligadas apenas as telas de radar e outros instrumentos necessários para a sequência do percurso.
Passagem dos comboios
O tráfego é constante, no sentido a favor e contra o curso do rio. Algumas situações demandam a realização de manobras combinadas entre comandos de diferentes embarcações para garantir a passagem segura dos comboios nas duas direções.
Wender Farias conta que, no Tapajós, o tamanho dos comboios costuma variar de 10 a 25 barcaças. Mas não são os únicos usuários da hidrovia, um elemento a mais na preocupação com a segurança, já que embarcações menores podem criar situações de risco de acidentes.
“A viagem está tranquila. Passamos bem pelos pontos críticos. À noite também”, relata o comandante, já no segundo dia.
O percurso sem intercorrências permite manter velocidade média constante de quatro nós, pouco mais de sete quilômetros por hora. Em pontos mais críticos, há uma redução. Farias explica que o ritmo da viagem é planejado antes da partida, conforme a programação no Porto de Santarém, e monitorado ao longo do trajeto. Se for necessário, o comando recebe o aviso para acelerar a entrega da carga.
Não foi o caso. A chegada a Santarém se deu antes do horário estimado de chegada, às 5h. Por volta de 3h40, o Tucunaré posicionou as barcaças para serem amarradas em duas boias. Do empurrador, a tripulação deu apoio à equipe no barco de amarração, comunicando-se por rádio e iluminando os pontos das amarras. Por volta de 4h20, o empurrador foi deparado das barcaças e “estacionou” em outro ponto do rio.
Para os passageiros, a estada terminou. Mas, antes do desembarque, eles ainda acompanharam o amanhecer de mais um dia de calor em Santarém. Até que chegou a lancha para levá-los à terra firme, enquanto a tripulação ficou, aguardando a próxima viagem.
O jornalista viajou a convite da Cargill






