
Setor pede securitização das dívidas por 20 anos e defendem uma proposta de uso de recurso do Fundo Social do pré-sal para renegociação do passivo Representantes dos produtores rurais do Rio Grande do Sul subiram o tom de cobrança ao governo federal por uma solução para as dívidas do setor, em mais um ano de perdas no campo por conta de efeitos climáticos adversos.
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Durante audiência pública na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (24/4), lideranças do agronegócio gaúcho disseram que falta vontade política para resolver o problema do endividamento do setor. Entidades do Estado pedem a securitização das dívidas por 20 anos e defendem uma proposta de uso de recurso do Fundo Social do pré-sal para renegociação do passivo, antecipada pela reportagem no fim de março.
“A situação do Rio Grande do Sul não é grave, é gravíssima”, disse Gedeão Pereira, presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), na audiência. Ele revelou uma preocupação especial com o aumento dos pedidos de recuperação judicial por produtores rurais caso não haja uma solução o setor.
“Se não vier uma solução política, tecnicamente os produtores gaúchos estão falidos. É lastimável”, completou.
Carlos Joel da Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), disse que a entidade já está “cansada” de ir à Brasília para pedir ajuda ao governo. “Será que os agricultores gaúchos não são importantes para o Brasil? Tem tanto dinheiro para a Lei Rouanet, para emendas de líderes, que poderiam ser usados para salvar os agricultores, temos fundos. Precisamos ter vontade política de resolver o problema”, apontou.
“Não queremos migalhas nem empurrar com a barriga, queremos resolver o problema, com prazo de 20 anos. Dinheiro tem, basta querer resolver o problema. O governo tem que achar soluções para nós”, completou o presidente da Fetag-RS.
“Chega de humilhação, nos permitam continuar na atividade. Estamos cansados de vir para cá, mas não vamos desistir”, disse Graziele de Camargo, representante do Movimento SOS Agro RS.
O deputado Afonso Hamm (PP-RS), que propôs a audiência pública para discutir a situação dos produtores gaúchos, disse que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, se dispôs a receber representantes do setor para uma reunião na noite de quarta-feira (23/4). Ele não está em Brasília e não participou do encontro.
Mudanças climáticas
A Farsul alertou para os impactos das mudanças climáticas no Estado e disse que, além da renegociação das dívidas, é preciso capitalizar o produtor para ele ser capaz de investir em instrumentos de mitigação de riscos, como irrigação e adubação profunda do solo com calcário.
“Não estamos pedindo esmola, mas uma resolução para um processo que é muito maior do que nós. Temos que admitir que estamos com mudança climática em curso e que o epicentro dessas mudanças é o Estado do Rio Grande do Sul”, admitiu Gedeão Pereira. “Se não admitirmos, não podemos nem pensar em agricultura para o Estado do Rio Grande do Sul para o futuro (…) Não é barato. Apelamos por uma solução política para esse grave problema”, completou.
Segundo o dirigente, a agricultura do Estado perdeu ou deixou de colher cerca de 40 milhões de toneladas de grãos entre 2020 e 2024 por conta de secas consecutivas e da catástrofe climática do ano passado. Com isso, o prejuízo financeiro ao campo passou de R$ 106,6 bilhões. Para o setor como um todo, ao considerar a agroindústria, as perdas foram de R$ 319 bilhões no período. Em 2025, a colheita ainda em curso deverá ter perdas de 10 milhões de toneladas em relação à estimativa inicial.
“Temos notícias de colheita 15 sacos de soja por hectare. Isso não paga absolutamente nada, ainda mais em um cenário em que produtores já renegociaram no ano passado e no ano retrasado”, disse Pereira na audiência. “Se tivéssemos uma boa colheita neste ano, já seria difícil de pagar, imagina com prejuízo de 10 milhões de toneladas”, acrescentou.
O dirigente ponderou que, mesmo nesse cenário, a inadimplência dos produtores rurais gaúchos é a menor do país, em cerca de 4,3%. “Isso mostra a capacidade de renegociar e de querer pagar as contas”, afirmou.
“Se não acharmos esse caminho [do Fundo Social], preocupa por demais as recuperações judiciais. Elas vão proliferar no Estado do Rio Grande do Sul, já estão começando, pois pessoa não tem fôlego, está cada vez mais descapitalizado e mais quebrado, mais sem recurso”, concluiu.
Proposta
A proposta da Farsul é que seja criada uma linha de crédito para composição das dívidas com prazo de 20 anos, com recursos do Fundo Social do pré-sal. Segundo Gedeão Pereira, o mecanismo não geraria gastos para a União e seria uma solução viável para a situação dos produtores. Recentemente, o governo federal autorizou o uso do fundo para a construção de moradias populares. “Basta vontade política, é o que tem para fazer”, indicou.
No ano passado, recursos do Fundo Social já foram destinados para a linha emergencial para atender diversos setores do Rio Grande do Sul após as enchentes ocorridas entre abril e maio. Foram destinados cerca de R$ 19,4 bilhões, dos quais R$ 5,7 bilhões foram usados pelo setor agropecuário. Nos cálculos da Farsul, o Fundo será reabastecido com mais R$ 53 bilhões com valores da exploração do petróleo brasileiro até o fim do ano.
Há alguns projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que são defendidos pelos produtores gaúchos. Um deles, de autoria do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), propõe a securitização das dívidas com a emissão de títulos pelo Tesouro Nacional de até R$ 60 bilhões.
O outro, já aprovado pela Câmara dos Deputados, do deputado federal Luciano Zucco (PL-RS), autoriza a concessão de anistia a dívidas de custeio aos gaúchos e a prorrogação de pagamentos de outros passivos rurais, além de garantir condições financeiras para acesso a novos recursos pelos produtores e a suspensão de execuções judiciais no período de postergação dos vencimentos.
O deputado Heitor Schuch (PSB-RS) propôs mudanças nas regras do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que ficaram mais duras desde o ano passado para combater riscos de fraudes.
Renegociação
O Ministério da Agricultura estima em R$ 28 bilhões o montante de parcelas de crédito rural de produtores gaúchos com vencimento em 2025. A Pasta já solicitou a prorrogação das prestações por seis meses, mas o pedido ainda não foi atendido. Na semana passada, o Ministério da Fazenda sinalizou que não fará um adiamento generalizado.
O secretário-adjunto de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Wilson Vaz de Araújo, disse na audiência desta terça-feira que a Pasta tem buscado uma medida de curto prazo. Ele salientou, porém, que as renegociações de dívidas impactam no Plano Safra vigente e no seguinte, com redução do orçamento disponível para equalização de juros de novas operações de crédito.
“Estamos trabalhando para ver se conseguimos dar prorrogação de dívidas de custeio para médios e grandes produtores, para o Pronaf essa prorrogação já é automática até o limite de 8% das contratações”, disse Vaz na audiência.
“Tudo que se renegocia é retirado do próprio Plano Safra: alimenta a renegociação e desidrata o Plano Safra”, afirmou. “Quando extrapola a normalidade de uma perda regular, não é um problema só de orçamento dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, mas do orçamento do governo como um todo. Não queremos contaminar os recursos do Plano Safra”, completou.
José Carlos Zukowski, coordenador-geral de Seguro da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, disse que o governo federal tem dado um apoio bilionário ao Rio Grande do Sul por meio do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), espécie de seguro multirisco público. “Neste ano, R$ 2,3 bilhões serão destinados para o Proagro do Estado”, disse em participação virtual no evento.