A inadimplência no setor agropecuário deu um salto em 2025, superou 3% de todo crédito rural ativo no país em novembro e machucou as carteiras de agronegócio dos principais bancos do país. Como resultado, as instituições financeiras reforçaram exigências de garantias e pisaram no freio na concessão de financiamentos, que caiu 15% no primeiro semestre do Plano Safra 2025/26, dificultada também pelos juros mais altos na temporada.
Representantes do setor produtivo, agentes financeiros e analistas do mercado avaliam que 2026 continuará difícil. O consenso é que será necessário mais tempo para distensionar o ambiente e que o clima será ainda mais determinante para a atividade em um ano em que boa parte da receita será usada para abater dívidas.
Dados do Banco Central mostram a escalada do problema no campo para pessoas físicas e empresas. O percentual de operações em inadimplência passou de 1,2% da carteira total ativa no início da safra passada, em julho de 2024, para 3,3% em novembro deste ano. Ao somar financiamentos em atraso, prorrogados e renegociados, o índice supera 15,2%, com R$ 123,5 bilhões nessa situação.
Entre os produtores pessoas físicas que contratam empréstimos a juros de mercado, a inadimplência bateu 11,4% em outubro de 2025 — era de 2,54% em julho de 2024. No geral, ao considerar também operações com recursos controlados, o índice estava em 6,15% há dois meses. No Banco do Brasil, principal financiador da agro, a inadimplência do setor rompeu a barreira dos 5,3% em setembro.
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“Precisaremos de mais um ano para ter estabilidade maior desses financiamentos”, admite o diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Lucchi.
“A crise que estamos vivendo é mais de alavancagem e de custo financeiro presente aos clientes. Os juros estão consumindo grande parte da margem e não está sobrando dinheiro para amortização”, afirma Roberto França, diretor de Agronegócios do Bradesco.
Apesar de o mercado estar mais “estressado”, cerca de 90% dos clientes de agro do banco estão em curso normal e ainda foi possível ampliar portfólio na carteira de R$ 130 bilhões neste ano. A gestão exige segmentar os públicos e endereçar esforços de reestruturação àqueles produtores mais endividados, principalmente os que trabalham com arrendamentos caros.
“Nossa pretensão é continuar crescendo nesse cliente que está com atividade normal. É o que vamos fazer em 2026, atender esse perfil menos alavancado e ampliar a base”, afirma. No Bradesco, a inadimplência saiu do patamar histórico mais perto de 1%, mas ainda não chegou a 2%, diz França.
Carlos Aguiar, diretor de agronegócios do Santander, vê um prazo mais longo para acomodação do mercado e reversão da alavancagem, construída no cenário de juros baixos, commodities em alta e crédito abundante no pós-pandemia, quando houve investimentos a longo prazo descalibrados.
O aprendizado, porém, deve forçar mudanças definitivas na relação com o campo, projeta. “Está todo mundo machucado. Todos os bancos vão ficar mais restritivos e vão pedir mais garantia para fazer empréstimo daqui para frente. O mercado muda e não volta mais”, avalia. “Não penso que seja uma tragédia, mas uma questão de prazo de desalavancagem”, diz.
Avanço no campo
Mesmo com a dificuldade financeira em 2025, os agricultores plantaram uma área ainda maior, de quase 84,2 milhões de hectares, e as perspectivas são de nova safra recorde de grãos em 2026, acima de 350 milhões de toneladas novamente. Com a normalização das chuvas para as lavouras de verão, os olhos do mercado estão voltados para um possível impacto do clima na safrinha de milho. Tudo precisa correr dentro da normalidade para não pressionar ainda mais o caixa dos produtores.
A previsão de baixa na Selic em 2026 não deve aliviar o ambiente imediatamente. “Para quem deve, sair de 15% para 13,5% não faz diferença. A conta no agro começa a mudar quando os juros caem abaixo de dois dígitos”, afirma Aguiar.
O que não deve aumentar, por outro lado, é a margem de lucro de boa parte desses produtores. Os mais alavancados precisarão de mais alguns ciclos para diminuir e voltar a ter um tamanho adequado. Com as contas no vermelho ante custos de produção ainda altos e as cotações de commodities andando de lado, os arrendatários devem devolver fazendas ou refazer contratos, dizem especialistas.
O movimento já influencia os preços das terras no país e pode resultar em uma concentração maior no setor, com a saída de produtores mais endividados da atividade e a expansão de grupos mais bem estruturados. “Estão ocorrendo operações grandes no mercado, vai haver uma concentração. Quem vai sofrer mais são os arrendatários, que não têm o que dar em garantia que o mercado vai exigir”, destaca Carlos Aguiar. Ele aposta em uma “mudança radical” nos preços dos arrendamentos rurais e das terras no país.
Ademiro Vian, consultor em finanças do agronegócio, enxerga uma nova “peneirada” no setor, já espelhada na alta da inadimplência, mas com a consequência na saída de “aventureiros” da atividade e de quem não está estruturado em cadeias produtivas, como cooperativas ou sistemas integrados. “A tendência é sair do mercado, vender áreas, reduzir produção”, diz. “Esse produtor terá de decidir: ou reduz e se enquadra no tamanho que ele é ou sai da atividade”.