
A história dos jumentos é bem antiga. Monumentos egípcios antigos mostram ilustrações do animal a partir da viagem de Abrão ao Egito. De acordo com os Evangelhos, a entrada de Jesus Cristo em Jerusalém se deu no lombo de um desses animais. E, em algumas representações do Natal, ele aparece nas cenas dos presépios.
Há relatos de que sua domesticação teria ocorrido até mesmo antes da dos cavalos, na África e na Ásia. Segundo a Associação Brasileira dos Criadores de Jumento Pêga, (ABCJPêga), os ancestrais dos asininos são nativos da região nordeste da África e da bacia do Mediterrâneo. No Brasil, sua chegada está ligada à colonização. Esses animais chegaram ao território brasileiro vindos em 1534, trazidos dos Arquipélagos da Madeira e das Canárias.
Entre as características dos jumentos estão uma audição muito desenvolvida, resultante de sua adaptação ao meio selvagem adverso, que serve como mecanismo de defesa de predadores. Eles também têm olfato apurado e, no caso de perigo, emitem um zurrado de alerta.
Esses animais são tolerantes à fadiga e bem mais fortes que os cavalos. Eles resistem a longas jornadas e não são exigentes em relação à alimentação, se contentando com uma forrageira de baixo valor nutritivo. Vivem até cerca de 35 anos e podem se reproduzir dos 2 anos aos 27 anos.
Do cruzamento de jumentos com éguas resultam os chamados muares, burros ou mulas. A presença desses animais cresceu no Brasil, principalmente durante a mineração, nos séculos 18 e 19, como forma de atender a demanda da atividade, manter a convivência entre as populações do campo e da cidade, suprir as necessidades básicas das famílias e transportar a produção da terra.
No Brasil, a raça com criação mais estruturada é a pêga. É a única com registro genealógico reconhecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), com 28.569 (e mais 12.358 muares) inscritos na ABCJPêga, fundada em agosto de 1947, em Belo Horizonte. O número de associados ativos é de 1.313.
Segundo a associação, a linhagem começou a ser desenvolvida com uma mistura de raças italianas e egípcias em 1810, pelo padre Manoel Maria Torquato de Almeida, em Minas, e foi melhorada na região de Lagoa Dourada (MG), a partir de 1842, pelo coronel Eduardo José de Resende, que comprou animais do sacerdote.
O nome da raça se refere à marcação a fogo para identificar os animais nas fazendas mineiras, que lembra uma argola ou algema usada para prender escravos, chamada na época de pêga.
Suas características raciais são pelagens ruças, tordilhas ou cor de rato claro, com cascos, pele e mucosas escuras. As orelhas de lebre de tamanho médio estão sempre “olhando” para cima e para frente, a cabeça tem contornos ósseos suaves e proporcionais ao pescoço e lábios finos. O pescoço é fino e os membros têm ossatura forte e fina. De corpo longilíneo, o porte é médio, com altura mínima de 1,25 m para os machos adultos e 1,20 m para as fêmeas adultas.
Anualmente, a associação promove o Enapêga, maior evento nacional de jumentos e muares do país, que julga e escolhe os melhores da raça. A última competição foi em agosto, em Brasília.
Jumento nacional
No caso do jumento nacional, o melhoramento genético começou há 86 anos com cruzamentos na fazenda de 2.420 hectares da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio (Apta), Regional de Colina, vinculada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Segundo Fernando Bergantini Miguel, pesquisador da regional e doutor em agronomia com ênfase em economia, o animal tem bom andamento, docilidade, pernas curtas (o pêga é mais alto), cabeça bem harmônica com as orelhas e altura abaixo de 1,30 cm. Além de gerar burros e mulas no cruzamento com éguas, é muito usado para passeios e cavalgadas.
Os atuais 36 animais ocupam 20 hectares, mas já houve 90 cabeças no local, antes de a fazenda voltar seu foco para a criação de cavalos para a Polícia Militar, atividade iniciada há 40 anos. O plano da regional, diz Bergantini, é manter a criação de jumentos focando na melhoria do plantel para oferecer uma genética diferenciada aos criadores.
A fazenda da Apta vende jumentos em leilão a partir dos 2,5 anos e já exportou reprodutores para Venezuela, Paraguai e Colômbia.
Jumento Nacional em fazenda da Apta, no interior de São Paulo. Reprodutores da raça foram exportador para países da América do Sul
Apta
Um jumento nacional macho tem preço médio de R$ 35 mil, mas pode chegar a R$ 80 mil. A fêmea varia de R$ 7 mil a R$ 42,5 mil. O pesquisador, que também cuida de equinos na regional, destaca que o jumento é muito rústico, só come pasto, não fica doente e não pega carrapato.
Mesmo sem registro, todas as crias de um ano são batizadas com a mesma letra inicial. Neste ano, nasceram na regional 20 jumentos que ganharam nomes como Ventosa, Vodca, Valia, Vistoria, Vínculo, Virtuoso, Vapor, Vôlei e Valioso.
Sem associação de criadores, os jumentos nacionais não têm registro genealógico no Mapa. Também não há estimativas do número de criadores ou de animais da raça.
Jumento nordestino
Bergantini, que trabalha com jumentos há cinco anos, diz que, diferentemente do pêga e do nacional, o animal nordestino (também chamado de jegue) não passou por programas de melhoramento genético. Pequeno, orelhudo, adaptado à caatinga e muito rústico, é basicamente usado para transporte e trabalho na roça.
Com a modernização e a mecanização nas fazendas, muitos foram sendo soltos e passaram a dar crias nas estradas. Uma empresa da China montou um abatedouro na Bahia para atender à demanda por colágeno da pele dos jumentos para a produção do ejiao, considerado um elixir milagroso da medicina tradicional chinesa. Atualmente, a Bahia tem 3 frigoríficos autorizados a abater jumentos.
Segundo a ONG The Donkey Sanctuary (Santuário do Jumento), que tem sede no Reino Unido, o Brasil já teve a maior população de jumentos da América do Sul, com 1,3 milhão em 1996, mas atualmente restam apenas 78 mil. Só entre 2018 e 2024, foram abatidos 248 mil jumentos.
Contra os abates foi criada no Brasil a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, com apoio de um grupo de cientistas, que aponta um risco de 94% de extinção desses animais que representam um símbolo cultural do Nordeste e são responsáveis por boa parte da força animal de trabalho nas propriedades da agricultura familiar.
Jumento nordestino: risco de extinção
Divulgação
Um estudo do professor Roberto Arruda de Souza Lima, da Esalq-USP, apontou que é inviável economicamente a criação de jumentos para exportação e a atividade só se sustenta por ser extrativista.
Apesar da campanha, a Justiça Federal reconheceu a legalidade dos abates em novembro. A Frente Nacional deve entrar com recurso no Superior Tribunal de Justiça. Pesquisadores e ativistas argumentam que, além do risco de extinção, os frigoríficos não têm rastreabilidade dos animais, o que significa que não há controle adequado de doenças ou garantia de que os jumentos não são submetidos a maus-tratos.
A redução dos asininos não é exclusiva do Brasil. Dados da ONG apontam que 5,9 milhões de jumentos são abatidos todos os anos ao redor do mundo para a extração da pele. Na China, a população desses animais, que era superior a 11 milhões, caiu para 1,5 milhão em 2023. Em paralelo, a importação cresceu 160%.





