
Entrou no radar do governo brasileiro e dos principais frigoríficos do país a possibilidade de a China antecipar a decisão de aplicação de salvaguardas contra a carne bovina importada de diversas origens, incluindo o Brasil. A investigação aberta no fim do ano passado foi prorrogada até 26 de janeiro de 2026, mas integrantes do Ministério do Comércio chinês (Mofcom, na sigla em inglês) enviaram recados a Brasília de que a medida poderá ser definida e divulgada na próxima segunda-feira (29/12), apurou a reportagem.
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Apesar da argumentação do lado brasileiro, a China deverá impor cotas de importação de carne bovina baseadas no market share atual e tarifas pesadas, de até 55%, para o volume adicional, admitem três pessoas a par do assunto. A intenção é frear a entrada da proteína estrangeira em 2026 e dar uma resposta aos pecuaristas e frigoríficos chineses, que reclamam do aumento dos embarques de abatedouros do Brasil, Argentina e Austrália para lá nos últimos anos.
No Brasil, a aplicação das salvaguardas é avaliada como uma potencial “tragédia” para o setor pecuário e para os frigoríficos exportadores de carne bovina. Se uma eventual cota para exportação à China ficar abaixo de 1,4 milhão de toneladas, a média de vendas dos três últimos anos, os empresários da indústria prometem pressão para que o governo federal aplique a Lei de Reciprocidade Econômica e coloque barreiras para a importação de carros elétricos chineses, um dos pontos fortes da pauta exportadora do país asiático para cá.
A depender dos termos das salvaguardas, o Brasil também poderá acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC) por considerar as medidas ilegais. O setor produtivo e o governo argumentam que as exportações brasileiras não atrapalham os negócios dos empresários chineses e que a carne bovina nacional ocupa apenas parte do mercado, de forma complementar à produção local.
A medida — se confirmada — não será direcionada ao Brasil, afetará também os demais países exportadores, mas pode atingir em cheio a indústria nacional. A China é o principal mercado da carne bovina brasileira. De janeiro a novembro, as empresas exportaram 3,1 milhão de toneladas da proteína, das quais quase 1,5 milhão de toneladas foram para os portos chineses, com receita próxima de US$ 8 bilhões.
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Uma pessoa a par das tratativas disse que a medida guarda semelhanças com o tarifaço dos Estados Unidos, revertido recentemente para o setor da carne, mas é “potencializada” por se tratar do principal parceiro comercial do Brasil.
No pior cenário, as salvaguardas da China podem afetar diretamente a cotação da arroba do boi no Brasil e desestimular a produção em um ano eleitoral, citou uma fonte. A avaliação é que o preço menor com sobra de animais não vai incentivar o pecuarista a produzir nem o frigorífico a abater, um reflexo direto e impacto no curto prazo no mercado interno.
Um dono de frigorífico exportador afirmou que o impacto poderá ser “muito forte” em toda a cadeia pecuária brasileira e gerar uma mudança estrutural nas exportações brasileiras. A indicação de momento é que a cota para o Brasil pode ficar em torno de 1 milhão de toneladas. Como o país tem cerca de 300 mil toneladas já negociadas e em trânsito para os portos chineses, haveria espaço para negociação de apenas 700 mil toneladas para 2026.
Ele concorda que, no limite, a salvaguarda nesses termos poderá impactar o ritmo de abates no Brasil e o preço do boi internamente. A saída será enviar o excedente para outros mercado, ponderou o empresário, como Estados Unidos, Chile e países do Oriente Médio, além do atendimento ao mercado interno.
A investigação da China foi aberta em dezembro de 2024 para avaliar o impacto do aumento das importações de carne bovina sobre a pecuária e os frigoríficos chineses entre 2019 e 2024. O processo cita incrementos de quase 65% na entrada da proteína no período e de mais de 100% no primeiro semestre de 2024 em relação a 2019. A reclamação dos produtores locais é que o produto estrangeiro já ocupa mais de 30% do mercado interno e precisa ser limitado para evitar prejuízos aos empresários chineses.






