
A crise climática costuma ser tratada como um desafio distante das decisões cotidianas, mas parte importante desse problema está nas prateleiras dos supermercados, nas centrais de abastecimento e no lixo orgânico que descartamos todos os dias.
O desperdício de alimentos, responsável por até 10% das emissões globais de gases de efeito estufa, tornou-se uma das frentes mais urgentes tanto para conter o aquecimento global quanto para modernizar a eficiência do varejo brasileiro. No centro dessa agenda está um protagonista nem sempre reconhecido: o setor de alimentos frescos, especialmente frutas, legumes e verduras.
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Nesse contexto, o Brasil vive um momento singular. No cenário internacional, o Food Waste Breakthrough, iniciativa liderada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), recoloca o compromisso firmado em 2015 de cortar pela metade o desperdício até 2030 como uma prioridade climática e o associa diretamente à redução das emissões de metano, gás que possui impacto até 80 vezes superior ao do dióxido de carbono em um horizonte de 20 anos.
Em paralelo, o país avança com a nova Estratégia Intersetorial para Redução de Perdas e Desperdício de Alimentos, construída pelo Governo Federal em parceria com a Embrapa, que conecta o Brasil aos compromissos internacionais ligados ao ODS 2, dedicado à erradicação da fome, ao ODS 12, voltado ao consumo e produção responsáveis, e ao ODS 13, que orienta a ação climática.
As duas frentes convergem em uma mesma conclusão: não existe política ambiental robusta que ignore o que acontece com os alimentos que produzimos, distribuímos e consumimos (e deixamos de consumir).
O desafio é enorme. Cerca de 19% dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados diretamente pelo consumidor e outros 13% se perdem antes de chegar ao varejo, enquanto 733 milhões de pessoas ainda enfrentam fome.
No Brasil, onde a urbanização concentra mais de 70% do consumo alimentar e elevará essa proporção a 80% até 2050, o impacto dos resíduos orgânicos se torna ainda mais evidente. Em muitos municípios, eles já são o principal material aterrado e as emissões resultantes de sua decomposição tendem a dobrar caso nada mude.
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No varejo, a Pesquisa de Eficiência Operacional 2025 da ABRAS mostra que as maiores perdas seguem concentradas justamente nos perecíveis, com FLV registrando 4,73% de perdas, seguido por padaria e confeitaria com 4,62% e rotisseria com 3,66%. São números que revelam um desperdício silencioso, mas de grande impacto econômico e ambiental.
É justamente nesse ponto que a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, se apresenta como ferramenta transformadora. Ao analisar histórico de vendas, sazonalidade, características regionais e logística, a IA calcula o pedido ideal para cada item, cada loja, a cada dia… ajustando os pedidos pelas variações projetadas de demanda.
Varejistas que já adotam esse modelo têm reduzido em até 25% as perdas e em 30% as rupturas (falta de produtos na loja, que geram perda de vendas), transformando setores antes vistos como centros de risco em áreas de alta previsibilidade. Essa eficiência não é apenas boa para o resultado financeiro das empresas; ela reduz emissões, poupa recursos naturais e aproxima o varejo das metas internacionais de sustentabilidade.
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As cidades brasileiras que vêm liderando o movimento global contra o desperdício, como Curitiba, Florianópolis e Rio de Janeiro, mostram que políticas urbanas integradas podem redefinir sistemas alimentares. Ao mesmo tempo, o avanço de tecnologias preditivas no varejo indica que grande parte da solução está em decisões que podem ser tomadas agora, no cotidiano das operações. O combate ao desperdício passa a ser não só uma política pública, mas uma prática operacional, apoiada em dados e alinhada a compromissos climáticos.
Se o mundo quer limitar o aquecimento global e reduzir emissões de metano, precisa olhar com atenção para o alimento que deixamos de consumir e acaba estragando. Se o Brasil quer assumir um papel de liderança climática, precisa transformar a gestão de alimentos frescos em uma estratégia de Estado e de mercado.
A inteligência artificial, quando entende de banana madura e tomate fresco, entende também que não há futuro sustentável sem sistemas alimentares mais eficientes, transparentes e resilientes. O varejo que reduzir desperdícios não estará apenas equilibrando seu estoque, mas ajudando a reescrever a relação entre comida, clima e desenvolvimento.
*Marco Perlman é cofundador e CEO da Aravita
As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Globo Rural






