
A Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer que dará base para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) se abrir mais a parcerias com o setor privado e aproveitar diretamente a geração de receitas de suas pesquisas. A medida pode ampliar o número de opções de financiamento da estatal, que enfrenta limitações orçamentárias.
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“O dinheiro que entrar poderá efetivamente ficar conosco”, afirmou Carlos Augustin, presidente do Conselho de Administração da estatal. Segundo ele, a medida significará a “chave da mudança” da Embrapa. “Isso muda tudo. Ela estará muito mais apta a receber parcerias. É a grande notícia em 50 anos da Embrapa. [A empresa] não pode ficar mais com o pires na mão”, completou.
A estatal gera cerca de R$ 50 milhões em receita própria por ano, mas não reaplica esse dinheiro diretamente. A meta é elevar o montante para algo em torno de R$ 400 milhões no longo prazo e destinar os recursos a novos projetos. Com isso, a arrecadação passaria a representar cerca de 10% do orçamento total da empresa, que é de R$ 4,7 bilhões, garantido pela União. A maior parte desse montante vai para salários.
A estatal usará a receita para retroalimentar a pesquisa, com uma divisão que favorecerá as unidades responsáveis pelos projetos específicos que geraram o caixa. O mecanismo pode estimular a competição. “Não é pecado ganhar dinheiro. Não vamos ficar dependentes do orçamento da União. É uma nova era”, disse Augustin. No futuro, a intenção é que os pesquisadores também possam receber valores extras pelos trabalhos que ampliam as receitas da Embrapa.
Segundo ele, a orientação jurídica da AGU favorece a permanência na estatal dos recursos que ela arrecada via Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) e também o reinvestimento dessa verba em pesquisas. Atualmente, o dinheiro que a Embrapa arrecada vai para o caixa geral da União e “volta” para a estatal como contrapartida para engordar o orçamento.
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Existe um referencial para o custeio da pesquisa via Lei Orçamentária Anual. Em 2025, por exemplo, a previsão era de R$ 160 milhões. Desse valor, R$ 92 milhões saem diretamente do Tesouro Nacional e R$ 68 milhões são uma compensação da receita própria da empresa. Na prática, a estatal fatura, mas não pode aplicar diretamente a receita extra, que é embutida na verba federal. Após suplementação, o orçamento para o custeio de pesquisas chegou a R$ 309 milhões em 2025. O orçamento para o ano que vem prevê R$ 270,7 milhões.
Augustin afirma que o aval da AGU dará segurança jurídica e vai estimular novas parcerias de desenvolvimento de pesquisas e exploração comercial de produtos. A medida não significa que a empresa abrirá mão do orçamento federal para o custeio de pesquisas.
“Isso não vai acontecer do dia para noite, mas abrimos a porta da jaula que nos prendia. O parecer é categórico ao afirmar que a Embrapa pode e deve ganhar dinheiro e ficar com ele”, disse Augustin. Segundo ele, a mudança não vai precarizar as pesquisas que têm uma visão mais social, voltadas a públicos de base, como a agricultura familiar, por exemplo.
O parecer da AGU consolida a interpretação das leis de Inovação (10.973/2004) e das Estatais (13.303/2016) e deixa claro o caráter extraorçamentário das receitas próprias da Embrapa. A União já tinha esse entendimento e o pedido para buscar esse “conforto jurídico” foi do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse Augustin.
Além de royalties das pesquisas, a empresa arrecada com prestações de serviços, sociedades e licenças de uso. Há um caminho aberto para comercializar protocolos de certificação criados pelos pesquisadores, disse o presidente do Conselho, como os de mercado de carbono. Agora, haverá um trabalho minucioso de avaliação e precificação da “prateleira” de produtos que a Embrapa já criou, além de estímulo à mentalidade comercial nas novas parcerias que serão fechadas.
Para o mecanismo girar, a Embrapa espera tirar do papel a criação da nova diretoria de Negócios, que aguarda aval do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI). Sob o guarda-chuva dessa diretoria ficará toda a equipe responsável por adotar a visão mais capitalista da empresa, como o núcleo específico de novos negócios também em criação.
A Embrapa está em conversas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para viabilizar, já em 2026, novas fontes de financiamento, como a otimização de imóveis, arrendamento de alguns terrenos e fazendas e participação societária em empresas de sociedades e startups. Na lista figura também a criação de modelos setoriais, como a estruturação de um fundo de investimentos com ao menos R$ 500 milhões anuais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
“Estamos trabalhando com o BNDES pensando na modernização da Embrapa”, disse a presidente da estatal, Silvia Massruhá. “Queremos em 2026 já implementar um piloto de cada ação dessas”.





