O setor privado brasileiro envolvido na cadeia de biocombustíveis comemora nesta sexta-feira (14) os 50 anos do Proálcool, e quer agora que o mundo repita o feito do Brasil no último meio século. Em Belém, as quatro principais organizações setoriais ligadas ao tema lançam uma carta com demandas para a COP 30 para que os biocombustíveis sejam incorporados como uma solução imediata para a crise climática global.
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O documento foi elaborado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), pela associação Bioenergia Brasil, pela União das Indústrias de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) e pelo Instituto Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCBrasil).
Essas organizações pleiteiam que os países participantes da Conferência do Clima incluam os biocombustíveis em suas metas de redução de emissões (NDCs), estabeleçam mandatos de mistura aos combustíveis fósseis, padronizem critérios de sustentabilidade para os biocombustíveis e estabeleçam instrumentos de financiamento com estrutura adequada para incentivar esse mercado.
“Vemos uma oportunidade muito grande de demonstrar ao mundo que não é tarde para fazer o que o Brasil começou há 50 anos”, afirma Mário Campos Filho, presidente da Bioenergia Brasil. “Exatos 50 anos atrás, o Brasil estava dentro de uma crise de escassez de combustível. Hoje, produzimos todo o combustível para a frota leve que consumimos com alto nível de descarbonização. Por que outros países não podem se aproveitar disso?”, defende Evandro Gussi, presidente da Unica.
Em 15 de novembro de 1975, o presidente Ernesto Geisel editou o primeiro decreto do Proálcool, que previa o fomento à construção de novas destilarias com apoio de bancos públicos e garantia de remuneração aos produtores.
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O motivo para estimular o setor, porém, nem tangenciava a questão ambiental. Tratava-se de dar uma solução à crise de abastecimento e de balança de pagamentos que se avizinhava, decorrente do primeiro choque do petróleo. E era uma forma de dar estabilidade à indústria de cana.
A vantagem ambiental do etanol começou a ser pautada na década de 1990. Tanto que, na Rio 92, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento sediada no Rio, o governo brasileiro disponibilizou apenas carros a álcool para transportar as autoridades. Mas o avanço da indústria de veículos elétricos no início desta década reduziu o peso dos biocombustíveis nesses debates.
Segundo Gussi, a pauta dos biocombustíveis chegou a ficar fora das mesas de negociação há uns anos, mas agora voltou à tona. A ponto de hoje o Brasil lançar um compromisso que prevê quadruplicar a produção de combustíveis sustentáveis em dez anos, e já ter a adesão de 19 países — produtores ou não de biocombustíveis.
Na quarta-feira, a Agência Internacional de Energia (IEA) divulgou que não prevê mais o pico da demanda por petróleo em 2030, mas sim em 2050. Ao mesmo tempo, indicou que os biocombustíveis líquidos, biogases e hidrogênio renovável são “essenciais” para neutralizar as emissões de setores que ainda dependem de combustíveis líquidos, como a aviação.
“Houve um atraso da entrega dos renováveis. As expectativas de dez anos atrás não aconteceram. E há duas consequências. A negativa é que isso põe pressão por mais demanda de fósseis em geral. A positiva é que há um interesse renovado nos biocombustíveis, por serem um sistema já pronto”, diz Gussi.
Para José Eduardo Luzzi, presidente do conselho do MBCB, a rota brasileira dos biocombustíveis é um exemplo de uma transição “justa, inclusiva e socioeconomicamente responsável” e pode ser replicada por outros países.
Segundo ele, enquanto outras alternativas, como a do carro elétrico, demandam um crescimento orgânico da produção de veículos, a mistura de biocombustíveis “ataca toda a frota”.
Apesar disso, as organizações defendem que os biocombustíveis e a eletrificação dos veículos são “complementares”, a exemplo dos veículos híbridos flex.
Gussi defende ainda que o Brasil atualize sua NDC conforme os biocombustíveis ganharem espaço em outras rotas de transporte.