A “turbulência” causada pela carteira de agronegócio do Banco do Brasil, puxada pela explosão da inadimplência no crédito rural, o aumento dos pedidos de recuperação judicial no campo e a onda de prorrogações de operações, tem “frustrado” as expectativas positivas da instituição para 2025.
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O ano agora é visto como um período de ajustes pela presidente Tarciana Medeiros, que espera melhora no cenário já no início de 2026 com as renegociações de dívidas rurais iniciadas em outubro e que já se aproximam dos R$ 6 bilhões.

A inadimplência do agronegócio do BB acelerou e chegou ao patamar recorde de 5,34% em setembro de 2025 (R$ 19,3 bilhões), contra 3,49% em junho deste ano (R$ 12,7 bilhões). O índice está em uma crescente constante nos últimos trimestres e está ligado, em especial, aos financiamentos de custeio, principal linha da carteira.

Em setembro do ano passado, as operações de crédito rural com atrasos acima de 90 dias eram 1,97% da carteira. Houve também aumento nos atrasos acima de 30 dias, que passaram de 3,02% para 7,78% na análise dos 12 meses.

Em julho do ano passado, quando os resultados mais recentes mostravam uma inadimplência de 1,19%, Medeiros descartava a ideia de existência de uma “crise no agro”, como disse em entrevista ao Valor na época. Nesta quinta-feira (13/11), ao comentar os resultados do terceiro trimestre, a executiva disse que a “inadimplência atípica” no setor força ajustes.

“2025 é um ano de ajustes. A partir da execução disciplinada da estratégia, estamos atravessando essa turbulência”, disse em vídeo apresentado durante teleconferência com investidores. Ela destacou que a visão do banco no início do ano era “mais positiva” e que “foi frustrada por uma situação totalmente atípica no segmento agro”.

Já o vice-presidente financeiro do BB, Geovanne Tobias, disse que o agronegócio vive uma “tempestade perfeita” e que, mesmo assim, o banco tem conseguido dar crédito e ter lucro. Ele lembrou que situação parecida ocorreu em 1994 e que na época, diferentemente de agora, foi necessário fazer capitalização na instituição.

A inadimplência da carteira de crédito rural do BB, historicamente, se mantém abaixo de 1%. Em 2020, com a pandemia, houve pico de 3,57%, normalizada já no fim daquele ano. O cenário mudou a partir de março de 2024, quando rompeu a barreira de 1% e escalou a cada trimestre: 1,19%, 1,32%, 1,97%, 2,45%, 3,04%, 3,49% e 5,34%.

Essa escalada coincide também com os pedidos de prorrogações na carteira de crédito rural. Em março de 2024 eram R$ 23,3 bilhões em operações prorrogadas, cerca de 6% do saldo total à época, de R$ 334,8 bilhões. O número cresceu a cada trimestre até chegar ao recorde de R$ 66,9 bilhões prorrogados em setembro de 2025, cerca de 18,5% da carteira total, de R$ 361,8 bilhões (crédito rural mais crédito agroindustrial, sem títulos).

Desses R$ 66,9 bilhões em prorrogações, R$ 5,4 bilhões estão vencidos há mais de 90 dias e compõe o saldo da inadimplência. A carteira inadimplente é maior, porém, nas operações não prorrogadas (R$ 13,8 bilhões).

Impacto na carteira

Esse cenário mais turbulento fez a carteira expandida de agronegócio regredir 1,5% no último trimestre, para R$ 398,8 bilhões. No acumulado de 12 meses, há crescimento de 3,2%. O vice-presidente de Agronegócios e Agricultura Familiar do BB, Gilson Bittencourt, disse na conversa com analistas que o saldo deve fechar o ano próximo de R$ 400 bilhões. As projeções oficiais do banco são de crescimento entre 3% e 6% para o segmento.

Os resultados ruins do agro influenciaram também a carteira geral de pessoa física do BB no trimestre encerrado em setembro de 2025. As operações com atrasos acima de 90 dias nessa carteira chegaram a 6,1%. Se não contabilizasse a inadimplência do produtor rural, o índice ficaria em 5,33%.

As recuperações judiciais também impactam os resultados do agro e do BB. O número de clientes com pedidos de RJ passou de 608 em dezembro de 2024 para 928. O saldo das operações desse público saltou de R$ 4,5 bilhões para R$ 6,6 bilhões no período. Em junho de 2025, eram R$ 5,4 bilhões.

O aumento das RJs e da inadimplência geral no agronegócio impactaram também as provisões que o BB é obrigado a fazer para cobrir eventuais despesas. O custo do crédito no terceiro trimestre chegou a R$ 17,9 bilhões, dos quais R$ 8,8 bilhões são referentes à carteira do agro.

No acumulado do ano, as provisões chegaram a R$ 44 bilhões, aumento de 66,4% em relação a setembro de 2024. “No trimestre, o custo de crédito foi R$ 17,9 bilhões, aumento de 12,7% na comparação com o trimestre anterior. Destaca-se que, além do aumento da inadimplência, em especial na carteira agro, houve agravamentos em casos específicos em grandes empresas”, diz a apresentação do BB.

Carteira

Na análise da carteira de agronegócios do BB, houve recuos em algumas linhas entre setembro de 2024 e setembro de 2025, como comercialização (de R$ 17,8 bilhões para R$ 8,4 bilhões , Pronamp (de R$ 8,7 bilhões para R$ 6,6 bilhões) e as linhas de baixo carbono (de R$ 3,4 bilhões para R$ 2,5 bilhões). Houve queda também nas CPRs, de R$ 31 bilhões para R$ 30,6 bilhões, e nos Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), de R$ 8,4 bilhões para R$ 6,2 bilhões.

A carteira expandida de agronegócio é composta pelo crédito rural nas linhas tradicionais, que somaram R$ 358,2 bilhões, o crédito agroindustrial (R$ 3,6 bilhões), as CPRs e os CDCAs. As operações caracterizadas como sustentáveis correspondiam a 47,9% do total da carteira de crédito, com R$ 173,1 bilhões.

Ao analisar os públicos atendidos, o recuo está concentrado nas cooperativas agropecuárias. A carteira desses clientes caiu de R$ 7 bilhões para R$ 5,3 bilhões nos 12 meses encerrados em setembro de 2025. Houve expansão em todos os outros, com destaque para empresas, cujo crédito saiu de R$ 6,7 bilhões para R$ 9,1 bilhões.

Crédito rural
O balanço do BB confirma a retração acentuada na concessão de crédito rural na safra 2025/26. A queda foi de 31,3% na liberação de financiamentos de julho a setembro na comparação com o mesmo período de 2024. A concessão de empréstimos caiu de R$ 63,3 bilhões no primeiro trimestre da safra 2024/25 para R$ 43,5 bilhões nesta temporada.

Houve recuos em todas as frentes. O principal foi no financiamento a médios produtores, que caiu 42,7%, de R$ 11,5 bilhões para R$ 6,6 bilhões entre julho e setembro. Na agricultura empresarial a retração foi de 32,3%, passando de R$ 35,4 bilhões para R$ 23,9 bilhões, e na agricultura familiar, de 9%, para R$ 7,1 bilhões. Também foi registrada diminuição de 32,2% no acesso aos títulos do agro. Os empréstimos por esses mecanismos ficou em R$ 5,8 bilhões no primeiro trimestre da safra 2025/26.

O BB é o principal agente financeiro do agronegócio no país. De acordo com dados do Banco Central, em setembro de 2025 a instituição tinha 48,7% de participação nos financiamentos destinados ao setor. No crédito direto ao produtor rural pessoa física, a participação de mercado era de 55,7%.

Gestão de risco

Houve queda também nas operações de custeio agropecuário com algum mitigador de risco. Em setembro, 42,7% dos financiamentos, ou R$ 5,7 bilhões, tinham algum mecanismo de proteção contra perdas. O percentual da safra 2023/24 nesta época era de 53,2% e da 2024/25, de 52,5%. Ao todo, o BB concedeu R$ 13,4 bilhões nessas operações no primeiro trimestre do ciclo 2025/26.

Segundo os dados, a contratação de seguro agrícola caiu e alcançou apenas R$ 4,1 bilhões em operações de custeio. No primeiro trimestre da safra 2024/25, eram R$ 9,6 bilhões protegidos e em 2023/24, R$ 14,4 bilhões. A contratação do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) também recuou e contemplou apenas R$ 1,5 bilhão até setembro, menos da metade dos R$ 3,5 bilhões dos três primeiros meses da temporada 2023/24. Mecanismos de proteção de preço atingem apenas R$ 4 milhões. (Colaboraram Álvaro Campos e Laís Godinho, de São Paulo)