Depois de permanecer por 25 anos abandonado, o Sítio Yamamaru, localizado em Registro (SP), voltou a produzir chá em 2017. “Sempre foi um grande desejo retomar o chazal da família”, conta Miriam Yamamaru, que, com a ajuda do irmão Kazutoshi, produz chá no sistema agroflorestal (SAF) consorciado com palmito juçara, espécie nativa que oferece sombreamento natural e contribui para a sustentabilidade das plantações.
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O cultivo realizado na propriedade de 20 hectares é artesanal, e o trabalho de pouco mais de oito anos começa a ser reconhecido. “Nosso chá preto ganhou medalha de ouro duas vezes seguidas no Concurso Brasileiro de Chá Preto Artesanal”, conta orgulhosa a produtora, satisfeita em manter viva a tradição familiar iniciada por seu pai, um imigrante japonês que chegou ao Brasil em 1954.
Foi a partir desta data que a família Yamamuru, a exemplo do que outras famílias japonesas vinham fazendo desde os anos 1920, iniciou o plantio de chá na região. Nas décadas seguintes, as plantações se espalharam pelos munícipios de Registro e Pariquera-Açú, se desenvolvendo bem até meados da década de 1980, quando o cultivo e a industrialização do chá preto se tornou a segunda atividade econômica mais importante na região, atrás do cultivo de banana.
Foi na década de 1980 que a região viveu o auge da produção de chás, com mais de 40 fábricas em funcionamento e uma produção que superou as 11 mil toneladas anuais.
Mas a implantação do Plano Real, em 1994, não foi boa para o setor. Com a equiparação do real ao dólar, a produção passou a ser comercializada com deságio e os insumos registraram fortes altas. A situação provocou o fechamento das principais industrias na região.
Além disso, a falência da Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC) no mesmo ano, que também adquiria expressivos volumes de chá preto, contribuiu para que muitos produtores abandonassem o cultivo, abrindo espaço para a ocorrência natural do palmito juçara, espécie nativa da Mata Atlântica.
Cultivo artesanal
No sítio Yamamuru são cultivados cerca de três hectares de Camellia sinensis, popularmente conhecida como chá-da-índia. A produção, que oscila entre 50 e 60 quilos por ano, é de alta qualidade e sabor diferenciado devido a alta concentração de L-teanina, substância valorizada em chás finos.
A colheita manual e o processamento artesanal envolvem etapas que variam de acordo com o tipo de chá desejado (verde, preto, oolong). Após a colheita, as folhas são distribuídas em um terreno para perderem a umidade (murcharem). Na etapa seguinte são amassadas para que ocorra a liberação de enzimas e óleos essenciais.
A última fase é a da fermentação, onde as folhas repousam em um ambiente fresco e úmido para que as enzimas liberadas reajam com o oxigênio. É aqui que o tipo de chá é definido.
Recentemente, Miriam instalou uma pequena fábrica para o processamento das folhas de chá na propriedade a fim de melhorar a eficiência sem perder a essência artesanal.
“Antes, fazíamos tudo na mão e conseguíamos no máximo 5 quilos por dia. Agora chegamos a 15 quilos de folhas em natura”, diz.
A trajetória de Mira é marcada pela curiosidade e pela persistência. Em 2017, ela viajou ao Japão para um intercâmbio cultural na região de Kagoshima, segunda maior produtora de chá do país.
“Fiquei três semanas aprendendo o processamento artesanal de chá verde. Voltei decidida a aplicar aqui o que aprendi”, conta. No ano seguinte, iniciou a produção dos primeiros pacotinhos de chá verde em embalagens de 25 e 50 gramas, que são comercializados entre R$ 25 e R$ 35 a unidade.
Além da produção do chá, Miriam e sua família investem em turismo rural, recebendo visitantes que participam dos momentos de colheita e do processamento. As vendas da produção são feitas no próprio sítio e por encomenda, via redes sociais e WhatsApp. O chá da família Yamamuru integra eventos como a Rota do Chá, que promove o resgate da cultura do chá no Vale do Ribeira.
Rota do Chá
Criada em 2015 por Yuri Hayashi, fundadora da Escola de Chá de São Paulo, e Renata Acácia Gomes, consultora e mentora de negócios voltados ao chá, a Rota surgiu com o propósito de valorizar os produtores locais e difundir a história do chá brasileiro, cultivado por imigrantes japoneses há mais de um século.
Para Renata, movimento é uma ação de resgate econômico, social e cultural
Divulgação
O evento, realizado anualmente em Registro (SP), reúne especialistas, sommelies e entusiastas em uma imersão de quatro dias por sítios produtores: Sítio Yamamuru, Sítio Shimada e a Amaya Chás.
Durante o percurso, os visitantes colhem, processam e degustam o chá diretamente das folhas, vivenciando todo o processo artesanal. A edição de 2025 marca o 10º aniversário da Rota do Chá. Para Renata Acácia Gomes, uma das idealizadoras do evento, o movimento é uma ação de resgate econômico, social e cultural.
“O chá brasileiro é fruto da nossa diversidade, da força das mulheres do campo e da relação entre tradição e inovação. Cada produtor que se reergue está ajudando a recontar essa história”, diz Renata.
Com o apoio de instituições como Senar, Sebrae, Sesc e Senac, o projeto também fomenta capacitações e parcerias entre produtores, estimulando a profissionalização e o surgimento de novos negócios sustentáveis.
Outras famílias que participam do evento são a família Amaya, com 80 anos de atuação e cultivo em 87 hectares, com produção de 90 toneladas anuais de chá nas variedades preto, oolong e verde, além de blends e chá em pó. A família iniciou sua trajetória em 1936 com o Chá Ypiranga, vendido principalmente no Rio de Janeiro. Atualmente, mesmo com estrutura para produção em larga escala, fabrica metade da capacidade total.
Já o Sítio Shimada cultiva seis hectares e produz cerca de 500 quilos de chá por ano, também metade da capacidade instalada. A família produz chá verde, branco, preto defumado e o exclusivo chá dourado, um chá preto só de brotos, que fica armazenado por seis meses.
O cultivo é orgânico certificado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e tem destaque pela proximidade com plantações de lichia, que agregam um terroir diferenciado. “São vivencias de família diversas, cada uma com sua história, mas todos têm em comum a intenção de recuperar a tradição de cultivo de chá em Registro”, conclui Renata.
O renascimento do chá no Vale do Ribeira
O Vale do Ribeira foi, nas décadas de 1960 e 1970, o coração da produção de chá no Brasil. Chegou a abrigar mais de 40 fábricas em atividade, impulsionadas pela mão de obra de famílias japonesas que se estabeleceram na região. No entanto, com a crise econômica e a competição internacional, o setor entrou em declínio nos anos 1990. Registro, que um dia se orgulhou do título de “capital do chá”, viu as plantações desaparecerem e as fábricas fecharem.
Três décadas depois, um grupo de produtores apaixonados começou a reescrever essa história. Entre eles está Mira, do Sítio Amamaro, em Sete Barras, que transformou o cultivo familiar em símbolo de resistência e inovação. “Nosso chá preto ganhou medalha de ouro duas vezes seguidas no Concurso Brasileiro de Chá Preto Artesanal”, conta com orgulho.
Grupo de produtores apaixonados está reescrevendo a história
Divulgação
Cada folha do Sítio Amamaro é colhida e processada à mão, respeitando o tempo e o saber da terra. A pequena fabriqueta artesanal, construída pelo marido de Mira com ajuda do técnico Tomil Maquiruti, ampliou a produção sem abrir mão da qualidade: hoje são 15 quilos de folhas em natura por dia, transformadas em chás verdes e pretos vendidos diretamente a consumidores por meio das redes sociais.
A trajetória de Mira também é marcada por aprendizado e curiosidade. Em 2017, ela viajou ao Japão, onde passou três semanas em Kagoshima, uma das regiões mais tradicionais do país, aprendendo técnicas de processamento artesanal de chá verde.
“Voltei decidida a aplicar o que aprendi aqui”, diz. Desde então, tornou-se referência na produção artesanal e também no turismo rural, promovendo vivências em que visitantes colhem, processam e degustam o chá.
Tradição e sustentabilidade
Outro nome que se destaca na Rota do Chá é Miriam Miquico, também de Sete Barras. Filha de imigrante japonês que chegou ao Brasil em 1954, ela mantém viva uma tradição familiar de mais de 60 anos. Após quase duas décadas de interrupção, Miriam retomou o cultivo em 2013, com o retorno do irmão do Japão. Hoje, o Sítio Miquico adota o Sistema Agroflorestal (SAF), que consorcia o chá com o palmito juçara.
O resultado é um chá premium, colhido manualmente em cerca de três hectares, com produção anual de aproximadamente 50 quilos. A bebida se destaca pelo alto teor de L-teanina, substância responsável pelo sabor suave e pelas propriedades relaxantes, características dos melhores chás do mundo. Assim como Mira, Miriam também investe no turismo rural e comercializa sua produção diretamente, via redes sociais e visitas ao sítio.
Um movimento coletivo
Em 2025, a Rota do Chá celebra uma década de existência e simboliza um novo capítulo para o Vale do Ribeira — um capítulo em que o chá, antes esquecido, volta a florescer com vigor. Mira resume esse sentimento com simplicidade e esperança: “Não dá pra pensar só na gente. Se o vizinho cresce, todo mundo cresce junto. O chá precisa voltar a ser símbolo da nossa terra.”