
O uso medicinal de plantas típicas do Nordeste brasileiro tem ganhado novo status na região a partir de pesquisas que buscam isolar seus compostos ativos para a produção de fármacos e cosméticos de alto valor agregado. Com potencial de desenvolver cadeias produtivas com base na bioeconomia local, esses estudos são conduzidos por pesquisadores atentos ao conhecimento de comunidades tradicionais da região.
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Foi, por exemplo, a partir da observação do uso do jenipapo para pintura corporal indígena que o doutorando em Biociências pela Universidade Tiradentes, Allef Moraes Santana, decidiu avaliar o potencial do fruto para o desenvolvimento de uma tintura capilar natural que substitui corantes sintéticos à base de metais pesados e amônia, substâncias nocivas à saúde e ao meio ambiente.
“O jenipapo verde tem um composto chamado genipina, e quando ela reage com aminoácidos — que estão presentes, por exemplo, no cabelo humano —, ocorre uma reação que forma essa cor escura, que vai do azul ao preto. É um processo totalmente natural”, explica.
Allef aprimorou os processos de extração e padronização, adotando solventes verdes e renováveis, como o etanol de cana, o que torna a produção mais segura e ecológica.
“Nosso foco é desenvolver um produto que seja eficiente, mas também sustentável, que possa substituir corantes sintéticos que têm metais pesados e prejudicam o meio ambiente”, afirma.
O trabalho é orientado pela professora Juliana Cordeiro, que há mais de duas décadas atua no desenvolvimento de produtos derivados da biodiversidade brasileira, com foco em gerar impacto social, econômico e ambiental positivo.
Ela defende que a bioeconomia deve ser também uma ferramenta de inclusão social e destaca a importância de envolver agricultores familiares e comunidades extrativistas na cadeia produtiva, garantindo manejo sustentável, geração de renda e valorização do conhecimento tradicional.
“Quando a gente desenvolve esses produtos, não é só pensando na ciência pura. É pensando em como isso pode chegar na sociedade, gerar emprego, gerar renda e melhorar a vida das pessoas que estão no campo”, ressalta a professora.
Saiba-mais taboola
Entre as linhas de pesquisa do grupo coordenado por Juliana, o barbatimão (Stryphnodendron adstringens) também ocupa posição de destaque. Tradicionalmente utilizada por comunidades do interior nordestino no tratamento de feridas e inflamações, a planta é estudada pelo Laboratório de Biomateriais do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP) como base para o desenvolvimento de curativos e formulações cicatrizantes.
Os pesquisadores avaliam e padronizam os extratos da planta, ricos em taninos e flavonoides, para aplicação em biomembranas e sistemas de liberação controlada, capazes de acelerar a cicatrização de feridas e reduzir a necessidade de trocas de curativo. O objetivo é transformar um conhecimento tradicional em tecnologia terapêutica avançada, aliando ciência e saber popular em prol da saúde pública.
De acordo com Juliana, o trabalho com o barbatimão reforça o compromisso da equipe com a bioeconomia e a inclusão produtiva. A pesquisadora destaca que a valorização das espécies nativas é essencial para gerar desenvolvimento regional sustentável. “Essa é uma agricultura extrativista, que envolve essencialmente a agricultura familiar”, destaca.
Protetor solar
Em uma terceira linha de pesquisa, o doutorando do programa de pós-graduação em Biociências e Saúde da Universidade Tiradentes, Thigna de Carvalho Batista, trabalha no desenvolvimento de um protetor solar vegano feito a partir de compostos naturais da planta. Financiado pela Capes, o estudo já teve os testes de estabilidade e caracterização química concluídos, com parte dos experimentos realizados durante intercâmbio científico em Portugal e na Irlanda.
“Os filtros solares convencionais, que ainda são usados no Brasil, já são restritos em países como o Havaí, por exemplo, por causarem danos aos corais e se acumularem no organismo humano. A proposta do meu trabalho é substituir esses filtros por uma alternativa mais natural e sustentável”, observa o pesquisador.
Ainda em processo de patenteamento, ele prefere manter em segredo o nome da planta alvo de sua pesquisa, mas ressalta a eficácia dos resultados obtidos até aqui. “A gente já conseguiu comprovar a atividade antioxidante e a capacidade de absorver radiação ultravioleta. Agora estamos avançando nos testes de estabilidade e fotoproteção, que são as próximas etapas”, afirma.
Articulação
Ao acompanhar de perto pesquisas como essas, Juliana acredita que o futuro da ciência brasileira depende de articular conhecimento, tecnologia e inclusão. Para ela, o Nordeste tem o potencial de se tornar um polo de bioinovação, desde que o país invista em políticas que fortaleçam a produção científica regional e valorizem a biodiversidade como ativo estratégico.
“O Brasil tem uma das maiores biodiversidades do planeta, mas ainda explora muito pouco o potencial econômico e tecnológico desses recursos. Se a gente conseguir estruturar essa cadeia com inclusão social e manejo sustentável, a bioeconomia pode transformar realidades”, salienta Juliana Cordeiro.






