O Cerrado brasileiro desponta como grande fronteira agrícola para a expansão da triticultura no país, impulsionado por condições climáticas favoráveis e avanços tecnológicos da pesquisa agropecuária. De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ainda que o Sul concentre 90% das lavouras do cereal, entre 2018 e 2024, o trigo tropical, cultivado em áreas como o Cerrado, apresentou aumento de 119% na área plantada e de 95% na produção.
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Minas Gerais é o principal destaque. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado alcançou, em 2024, uma produção de 403 mil toneladas, colhidas em 140 mil hectares. Em seguida aparece Goiás, que registrou 132 mil toneladas colhidas em 36 mil hectares. Já Mato Grosso do Sul ocupa a terceira posição entre os maiores produtores da região, com 43 mil toneladas obtidas em 44 mil hectares.
No entanto, a brusone, doença fúngica que ataca a espiga do trigo, ainda é o principal obstáculo para o crescimento sustentável dessa cultura na região, na avaliação de Jorge Lemainski, pesquisador e chefe da Embrapa Trigo.
“Há uma gigantesca fronteira no Cerrado para este trigo avançar. O potencial é imenso. Vencidos os desafios da brusone e da giberela, o trigo brasileiro fará parte da segurança alimentar dos povos”, destacou durante o Congresso Internacional da Indústria do Trigo, realizado no Rio de Janeiro.
A Embrapa tem investido em manejo integrado, uso de fungicidas e melhoramento genético para aumentar a resistência das cultivares à brusone, mais incidente no Cerrado, e à giberela, predominante no Sul.
Desde 2012, a instituição realiza a piramidação de genes de resistência e avalia novos genótipos promissores. Em parceria com o Ministério da Agricultura, 103 linhagens foram testadas recentemente, das quais 24 apresentaram alto potencial de tolerância à brusone.
Mudanças climáticas e de área
Nos últimos dez anos, o Brasil teve déficit de US$ 11,3 bilhões na balança comercial do trigo, com importações de US$ 14,7 bilhões e exportações de apenas US$ 3,4 bilhões, segundo o pesquisador. Para reduzir essa dependência externa, a Embrapa aposta na adaptação do cereal a diferentes regiões e condições climáticas.
De acordo com dados apresentados pelo pesquisador, as mudanças no regime de chuvas têm aumentado os riscos para o cultivo no Sul, ao mesmo tempo em que abrem oportunidades para o plantio no Cerrado. Em Passo Fundo (RS), por exemplo, a média anual de chuvas passou de 1.803 mm entre 1961 e 1990 para 1.930 mm de 1991 a 2020, elevando a incidência de doenças como giberela, associada à umidade excessiva na floração e colheita.
Já no Cerrado, a tendência é oposta: a redução das precipitações e o aumento dos períodos secos favorecem o cultivo de trigo de sequeiro e de alta qualidade, colhido em condições de baixa umidade. Em Formosa (GO), entre março e maio, a média de chuvas de 326 mm é suficiente para o manejo adequado da cultura, segundo Lemainski.
Cereal como alternativa na segunda safra
Com o avanço do milho de segunda safra, que hoje ocupa cerca de 18 milhões de hectares, o trigo pode se tornar uma opção mais segura para o Brasil Central, por demandar menos água e apresentar menor risco climático, disse o pesquisador. Ele destacou que o cereal pode ser incorporado aos sistemas produtivos junto com soja, algodão e milho, ampliando a rotação de culturas e o aproveitamento das áreas de outono e inverno.
Atualmente, o país cultiva cerca de 2,5 milhões de hectares de trigo, o que representa apenas 37% da área potencial disponível para as safras de inverno no Sul. Segundo Lemainski, no Brasil ainda há 10 milhões de hectares que poderiam ser melhor aproveitados para a triticultura.
Manejo para a brusone
A brusone é uma das principais doenças que afetam o trigo no Brasil, podendo comprometer folhas e espigas da planta. Os sintomas nas folhas aparecem como manchas elípticas ou arredondadas, com margens marrom-escuras e centro acinzentado. Nas espigas, a infecção provoca o branqueamento e a morte dos tecidos acima do ponto afetado, além do escurecimento do ráquis.
O desenvolvimento da brusone está diretamente relacionado às condições climáticas. Segundo a Embrapa, períodos de molhamento foliar inferiores a dez horas não favorecem o avanço da doença, enquanto a temperatura de cerca de 25°C é considerada ideal para sua propagação.
Saiba-mais taboola
Para reduzir os riscos de ocorrência, o manejo preventivo é fundamental. Em regiões com histórico da doença, recomenda-se realizar a semeadura em datas mais tardias e optar por cultivares tolerantes. Atualmente, não há variedades de trigo com níveis de resistência considerados totalmente adequados.
O controle químico é indicado quando há condições favoráveis de temperatura e umidade, especialmente até o período de emborrachamento da planta. A orientação é fazer uma aplicação preventiva de fungicida na parte aérea. Uma segunda aplicação pode ser realizada no florescimento e, caso o clima continue propício à doença (com calor e alta umidade), uma terceira aplicação é recomendada cerca de 12 dias após a segunda.
Estudos da Embrapa apontam que fungicidas à base da combinação de triazol e estrobilurina têm se mostrado mais eficientes no controle da brusone do que o uso isolado de triazóis.
*A repórter viajou a convite da Abitrigo