
A produção de carne está abrindo um novo mercado para produtores de leite da região dos Campos Gerais, no Paraná. Municípios que lideram a produção leiteira no Brasil, como Castro e Carambeí, e também Arapoti, estão em pleno desenvolvimento do sistema beef on dairy, que promove o cruzamento de vacas d rebanho leiteiro com touros de raças de gado de corte para produzir bezerros destinados à produção de carne premium.
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Há seis anos, o pecuarista de leite Herman van Arragon decidiu inovar na propriedade localizada em Arapoti (PR). Por meio do cruzamento das raças holandesa e angus, deu início à produção beef on dairy. “O produtor de leite que optar por esse sistema tem que ter dinamismo”, afirma, referindo-se à diferença entre as pecuárias de leite e de corte.
Herman, cooperado da Capal Cooperativa Agroindustrial, é pioneiro do beef on dairy na região e, atualmente, 30% das vacas da raça holandesa da fazenda são inseminadas com sêmen do gado de corte. De acordo com ele, neste ano já foi possível enviar para abate em torno de 120 animais.
A atividade principal continua sendo a pecuária leiteira – com 300 vacas em lactação e produção diária de 10 mil litros de leite -, mas o produtor segue apostando no sistema beef on dairy e projeta o crescimento da produção.
Além de obter a certificação da Associação Brasileira de Angus, o que garante uma bonificação extra na hora da comercialização, ele está investindo na ampliação das instalações para alojar os bezerros mestiços.
Mercado promissor
“Analisamos o mercado e vimos o beef on dairy como uma oportunidade de negócio para o produtor de leite da nossa região”, comenta Roberto Caldeira, coordenador de assistência técnica de bovinos na Capal, com sede em Arapoti. O projeto foi iniciado em 2021 na cooperativa e já apresenta resultados.
Segundo Caldeira, foram abatidos 600 animais em 2024, e a meta para este ano é dobrar o volume, chegando a 1.200 animais abatidos.
Até 2030, nosso objetivo é chegar ao abate de 10 mil animais por ano.
Dez produtores de leite de Arapoti cooperados da Capal estão com a atividade em andamento em suas propriedades. Caldeira acredita que o número deve dobrar nos próximos anos. Duas frentes estão em prática no sistema, com cruzamentos de vacas das raças holandesa e jersey com touros angus. O cruzamento de vacas jersey e touros da raça japonesa wagyu está em fase de testes. “Essas carnes são extremamente valorizadas”, destaca.
A produção é entregue para a CooperAliança, cooperativa de Guarapuava que integra produtores de carnes nobres e que é parceira do projeto desde o início. O frigorífico paulista Guidara, especializado em carne de wagyu, é outro estabelecimento parceiro.
Com a produção certificada, a lucratividade, incluindo as bonificações para o produtor, gira em torno de R$ 400 a R$ 600 por animal. Além de rentável, o beef on dairy é considerado um sistema sustentável, pois garante uma melhor destinação aos machos das raças leiteiras e é um meio de estabilizar o crescimento dos rebanhos de produção de leite.
Entre os próximos passos estão a melhoria da genética e do sistema produtivo, buscar maior rendimento da carcaça (hoje em 52%) e difundir o projeto para mais produtores cooperados.
Gado de leite na veia
A Cooperativa Castrolanda também se movimenta para difundir o sistema beef on dairy entre os produtores de leite cooperados. “Temos gado de leite na veia, mas consideramos o beef on dairy uma possibilidade promissora”, frisa Vitor Almeida Fonseca, gerente de Estratégia e Comunicação da Castrolanda.
Segundo ele, em torno de 40 produtores estão interessados em levar essa produção para a propriedade, e dez já estão com o sistema em andamento há aproximadamente um ano.
O executivo também enfatiza entre os benefícios a destinação mais adequada dos machos do rebanho leiteiro e o aumento da receita para os produtores. “O boi gordo holandês é vendido por um valor aproximadamente 15% mais baixo que o boi gordo de corte. Já o boi híbrido é vendido pelo mesmo valor do boi de corte ou por um valor maior”, comenta. Entre os cruzamentos adotados pelos cooperados estão a mistura das raças holandesa com angus, braford ou wagyu e jersey com wagyu.
Produtor de Castro (PR), Erik Jan Petter cita como vantagem o fornecimento constante de bezerros
Erik Jan Petter / divulgação
Um dos cooperados da Castrolanda que já está produzindo o beef on dairy é Erik Jan Petter, de Castro. Diferente da maioria dos pecuaristas da região, ele é um produtor voltado à pecuária de corte. Com 2.500 cabeças de gado, ele fez o caminho inverso dos demais produtores para apostar no beef on dairy: trouxe a raça holandesa para cruzar com braford. Em torno de 15% do rebanho da fazenda é destinado ao sistema.
Ele começou há um ano com a atividade de recria e engorda dos animais. Nesse período, abateu em torno de 100 cabeças dos bezerros cruzados. Para ele, uma das vantagens é o fornecimento constante de bezerros, o que não ocorre na pecuária de corte devido à sazonalidade do fornecimento.
Estratégia de produção garante sucesso
O pesquisador Duarte Vilela, da Embrapa Gado de Leite, ressalta que o sistema beef on dairy é uma das opções no aproveitamento dos machos de origem leiteira, com importância na geração de renda uniforme durante o ano para o produtor de leite, que convive com a volatilidade do preço do produto.
Além disso, aponta a agregação de valor à produção de carne de qualidade e estímulo à mitigação de gases de efeito estufa na pecuária nacional.
“Os bezerros machos de rebanhos de leite são considerados como um problema na grande maioria das propriedades brasileiras. Esse desafio gera uma oportunidade alinhada à realidade mundial que busca nesses animais uma saída para ampliar a oferta de carne, agregar renda à atividade leiteira e atender exigências legais sobre bem-estar animal, meio ambiente e sustentabilidade”, comenta.
Sistema é voltado à produção de carne de qualidade
Erik Jan Petter / divulgação
Ele lembra que o beef on dairy tem experiências exitosas nos Estados Unidos – onde representa 20% da carne consumida -, Canadá e Europa. “Mas é importante que se aprofundem estudos sobre estratégias de produção que se adequem aos sistemas brasileiros, com testes de estratégias de manejo reprodutivo e alimentar visando eficiência técnica e econômica”, alerta.
Negócios no radar
Everaldo de Paula, coordenador de assistência técnica da Castrolanda, lembra que o produtor de leite que optar pelo novo sistema de produção pode escolher entre realizar todo o ciclo do beef on dairy na propriedade ou então vender o bezerro logo após o desmame, com cerca de 60 a 90 dias, no caso da falta de alojamento adequado.
Também há a possibilidade do produtor manter os animais em um boitel, estabelecimento que oferece confinamento e engorda terceirizados para bovinos de corte. O bezerro será encaminhado para abate quando atingir por volta de 550 quilos, peso que deve obter por volta de 10 meses a 12 meses de idade.
Para o coordenador, o novo produto deve se tornar um excelente negócio em um futuro próximo. “Já estamos conversando com estabelecimentos do Paraná e de São Paulo que oferecem grandes áreas de confinamento, uma vez que eles já estão vendo o potencial da região”, revela.
Bezerros nascem mais saudáveis, aponta pesquisa
Uma pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da PUCPR mostra benefícios na criação de bezerros mestiços das raças angus e holandesa em fazendas de produção de leite. Segundo os pesquisadores, ao misturar essas duas raças na prática beef on dairy, produtores obtiveram bezerros com mais peso e crescimento pós-parto, promovendo maior bem-estar aos animais e sustentabilidade às propriedades.
“Compreender os efeitos do cruzamento sobre a saúde e o desempenho desses animais é essencial para subsidiar decisões de manejo, independentemente da aptidão do gado”, explica Ruan Daros, professor do programa. Os resultados mostraram que os mestiços nasceram 10% mais pesados, com 40 kg, enquanto os holandeses nasceram com 36 kg, e ganharam mais peso durante a fase de criação.






