
Mesmo vislumbrando um futuro profissional promissor, o jovem casal Karina Gonçalves David e Thales Bevilacqua Mendonça decidiu deixar a cidade para começar uma vida “com propósito” no campo. “Começamos a nos questionar sobre o que iríamos deixar como legado e construímos uma propriedade rural do zero”, conta Karina, que na época tinha 24 anos. Hoje, uma década depois, eles mantêm uma produção sustentável de cogumelo shiitake em toras em um sistema agroflorestal na área rural de Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba.
Inicialmente, o casal dedicou-se ao plantio de hortaliças e frutos orgânicos, mas depois transformou em atividade principal a produção do shiitake, um produto que dá menos trabalho e tem um valor agregado maior do que as outras culturas. A demanda pela espécie, uma das mais consumidas no mundo, também foi decisiva. Karina e Thales viajaram para China, Coreia do Sul e Japão para aprofundar os conhecimentos sobre o cultivo de cogumelos comestíveis, uma cultura agrícola que é milenar nos países asiáticos.
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Apaixonados pela produção sustentável, eles escolheram o sistema em toras de eucalipto aliado à agrofloresta que já tinham na propriedade. O cultivo ocorre em simbiose com a mata nativa e, segundo Karina, foi um arranjo pioneiro. O sistema é mais rústico do que o modelo de cultivo de cogumelos que é mais comum no país, à base de substratos orgânicos, como serragem, palha ou resíduos agrícolas, que são inoculados com micélio e incubados para o desenvolvimento do fungo.
“O eucalipto é um coringa para o sistema florestal, mas ele cresce e projeta sombra em outros plantios. Nesse momento, fazemos a poda e, antes de colocarmos a madeira no solo para a decomposição em matéria orgânica, inserimos o cultivo do cogumelo”, relata Karina. Nesse modelo, o cogumelo é 100% natural e com certificação de produto orgânico, o que é bastante valorizado na gastronomia.
Segundo Thales, além de o cogumelo não competir com os demais cultivos da propriedade, outra vantagem do sistema é que ele permite o aproveitamento de áreas inutilizadas. “É possível encaixar a produção em áreas de reserva legal e de proteção permanente, como prevê o Código Florestal, e implantar mais um bem de exploração econômica e ambiental”, diz. Ele conta que o processo termina com o eucalipto no solo, o que melhora a recuperação da área graças à retenção de nutrientes.
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O espírito empreendedor e o sucesso do negócio levaram o casal a expandir as atividades e passar a oferecer consultorias e cursos. “Nossa experiência no cultivo foi ‘aberta a facão’. Por isso, entregamos as informações que gostaríamos de ter recebido”, salienta Karina. Ela é graduada em Economia e Thales tem formação em Agroecologia e Direito. O conhecimento acadêmico e dos mercados ajudou, mas eles contam que o aprendizado para a atividade agrícola veio mesmo com a prática.
A produção na propriedade gira em torno de 30 quilos de cogumelo shiitake in natura por semana. Mais de 90% vai para Curitiba, mas as vendas pela internet tornam possível o envio para qualquer parte do país. Hoje, um dos destinos é uma rede de supermercados de Brasília com foco em produtos orgânicos.
Eles também implantaram uma agroindústria para a produção do cogumelo desidratado para quando a produção extrapola a média prevista. O investimento foi feito com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Thales explica que o ciclo médio de produção do shiitake em toras, no primeiro plantio, é de 14 meses. Depois disso, sem precisar replantar, o fungo descansa por cerca de dois meses, e a produção com potencial comercial repete-se por pelo menos quatro ciclos, com duração de oito meses cada. Porém, por ser um cultivo rústico, esses não são parâmetros exatos.
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O clima também interfere na produção. Segundo eles, o cenário ideal para o cultivo são regiões com umidade relativa do ar acima de 60% e temperatura média de 25°C, como é o caso de onde vivem. Mas já há cultivos com bons resultados em regiões com outras condições, como Mato Grosso.
O investimento inicial para a cultura é baixo e depende da propriedade e do projeto. Segundo Karina, é possível iniciar uma produção de pequeno porte com um investimento de R$ 5 mil e, de médio porte, com R$ 10 mil. Para produtores que já tiverem a madeira, o custo cai significativamente.
As ferramentas necessárias são as básicas de um sítio, e é necessário compras os inóculos — sementes que contêm o micélio do fungo. O preço médio do quilo do shiitake pago ao produtor, afirma Thales, fica entre R$ 65 a R$ 79 no atacado e R$ 85 a R$ 120 no varejo.