As declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na manhã desta sexta-feira (17/10) de que vai adotar medidas para reduzir o preço da carne bovina no mercado doméstico americano levantou expectativas no Brasil de revisão nas tarifas adicionais impostas à proteína brasileira. Porém, o setor espera que uma mudança efetiva só se concretize num encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, e beneficie também o café e os pescados.
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Integrantes do governo em Brasília e do setor pecuário mantêm postura de cautela para não atrapalhar as negociações em curso para redução ou retirada total das tarifas sobre a carne bovina brasileira. Os EUA eram o segundo principal destino do produto brasileiro, mas perderam espaço após a taxação de 50% sobre os embarques dos frigoríficos brasileiros.

“Estamos trabalhando na questão da carne bovina, e acho que já temos um acordo sobre isso”, disse Trump a jornalistas na Casa Branca. “O preço da carne está mais alto do que desejaríamos, mas vai cair rapidamente. Fizemos algo”, completou, sem dar mais detalhes.
Mesmo sem decisão anunciada a respeito das tarifas, importadores de carne dizem, nos bastidores, que existem “grandes expectativas” de que as sinalizações de Trump possam favorecer o Brasil com eventual retirada ou redução das tarifas. Há possibilidade também de o governo americano implementar algum plano interno de ajuda a pecuaristas e frigoríficos locais.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse ao Valor que a fala do presidente americano demonstra sua disposição em alterar a tarifa.
“A pecuária norte-americana está vivendo um momento difícil, com o menor rebanho dos últimos 75 anos. Tudo o que os EUA não deveriam ter feito era taxar um fornecedor seguro da carne como é o caso do Brasil. Estamos otimistas, mas sem euforia sobre esta perspectiva”, afirmou o ministro.
O que ocorre nos EUA?
A fala de Trump se dá num momento em que os preços da carne nos EUA subiram entre 7% e 18% e alcançaram para níveis recorde. A alta se deu depois que os pecuaristas americanos reduziram seus rebanhos devido a uma estiagem prolongada no oeste dos EUA. As pastagens secaram e os custos com alimentação subiram.
O país também vive um ciclo de baixa oferta de gado, após amplos abates de fêmeas. No início do ano, o rebanho havia encolhido para 86,7 milhões de cabeças de gado — o menor número para o período desde 1951, segundo dados do governo americano.

Apesar de ser um assunto complexo e rodeado de interesses, a avaliação no Brasil é que não há solução para a queda de oferta interna de carne nos EUA no curto e médio prazos. Ou seja, eles precisarão importar – e o Brasil é o principal exportador.

No setor brasileiro, o reconhecimento por parte de Trump de que algo precisa ser feito para reduzir a inflação da carne internamente pode ser um sinal positivo em relação às negociações para uma desgravação da carne bovina brasileira.

“Esperamos, de fato, que a carne brasileira seja considerada nos planos do governo dos EUA para baixar os preços para os consumidores americanos. Afinal, dois anos para recuperação do rebanho dos EUA é um prazo muito longo”, disse uma fonte.

“Pode haver medidas de apoio interno, mas qualquer iniciativa de apoio à produção só terá efeito no médio e longo prazos. Para efeito imediato no bolso do consumidor, somente aliviando nas importações”, completou.
Tarifas ou cotas?

Uma fonte da diplomacia brasileira que mantém relações diretas com os EUA disse, sob reserva, que pode haver caminhos menos óbvios do que a retirada das tarifas.

“Pode ser que não coloquem a carne na lista de exceções, porque há muita pressão de produtores americanos contra a carne brasileira, que é mais competitiva. O caminho seriam as quotas”, apontou.

Mas a avaliação é unânime de que Trump terá de fazer algo para aliviar a pressão inflacionária na carne. “Os EUA precisam da carne brasileira, especialmente para fazer hambúrger, por ser uma carne mais magra do que a americana”, concluiu a fonte.
Exportações brasileiras aos EUA
Em setembro, a exportação da carne brasileira para os EUA caiu dois terços. Apesar de o mercado da carne brasileira, como relatou Fávaro, ter se expandido para Oriente Médio, Sudeste Asiático, China e México – que se tornou o segundo maior comprador do produto -, o mercado americano tem uma rentabilidade que o setor não pretende perder.
De toda a carne bovina consumida nos EUA, 62% são carne moída no formato de almôndegas, hambúrgueres e carne moída, nicho das classes C e D, e que tem o Brasil como principal fornecedor.
Nessa quinta-feira (16/10), em evento em São Paulo, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Roberto Perosa, disse que os EUA devem intensificar as importações de carne brasileira quando as tarifas forem revistas, o que pode ocorrer em breve.
“Há espaço para entendimento entre os governos e acreditamos na retomada gradual do fluxo comercial quando as tarifas forem revistas”, afirmou ele na ocasião.

Declarações após encontro diplomático
A declaração de Trump sobre a carne no país aconteceu menos de 24 horas depois da reunião entre o secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio, e o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, na Casa Branca.
Como resultado desse encontro, o Departamento de Estado e o Itamaraty emitiram uma nota conjunta. Incomum nas duas chancelarias, a nota classificou o encontro como “muito positivo” e sinalizou para a colaboração mútua em questões de comércio num “futuro imediato”.
O encontro reservado aos dois chanceleres foi mais breve, de 15 minutos, e a parte restante, da qual participaram as delegações dos dois países, foi de 45 minutos. Pelo Brasil, participaram a embaixadora nos EUA, Maria Luiza Viotti, o secretário de Clima e Meio Ambiente, Maurício Lyrio, o secretário de Assuntos Econômicos, Phillip Gough, e o chefe da Assessoria de Comunicação, Joel Sampaio. Pelo lado de Rubio, participaram o secretário de Defesa assistente, Michel Jensen, e o representante de defesa comercial dos EUA, Jamieson Greer, que se ocupa mais diretamente do tema no governo americano.
As questões mais políticas da contenda, da aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes e esposa à Venezuela, passando pela perda de visto de autoridades brasileiras, ficaram por conta da conversa, sem testemunha, dos dois chanceleres, reportada a Lula na tarde de sexta-feira feira por Mauro Vieira no Palácio do Alvorada. A única informação desses 15 minutos é que foi reiterado a Rubio que o presidente brasileiro esperava o recuo americano nas medidas comerciais e políticas tomadas contra o Brasil, na linha do que o próprio Lula já havia falado a Trump por telefone.
A possibilidade mais próxima para um encontro entre os dois presidentes é a da cúpula dos países do sudeste asiático, entre os dias 25 e 26 de outubro, em Kuala Lumpur, capital da Malásia.
Outros produtos
Além da carne, o café também aparece no topo das apostas para um eventual recuo dos EUA na questão das tarifas.
“Café e carne devem ser liberados em uma eventual negociação. O custo político é alto para o governo dos EUA”, disse um executivo do setor exportador.