
Os sistemas alimentares globais estão voltados hoje, em grande parte, à produção de grãos para ração, que, por sua vez, alimentam animais que viram proteína na mesa da população. Mas, segundo uma análise de diversos estudos científicos da última década, realizada pela organização Compassion in World Farming, esse sistema é pouco eficiente e gera, na prática, grandes desperdícios.
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O trabalho “Food not feed – How to stop the world’s biggest form of food waste” (“Alimento, não ração – como parar com a maior forma de desperdício de alimentos”, em tradução livre), os animais têm baixa capacidade de converter os nutrientes da ração em proteína para os humanos. E mais: se os grãos que hoje vão para ração deixassem de ser produzidos, liberaria terras para o cultivo de outros produtos que alimentariam 2 bilhões de pessoas a mais todo ano.
O cálculo se baseou em dados de um estudo de 2013 de pesquisadores da Universidade de Massachussets. Cada 100 calorias de grãos dados aos animais, de forma geral, resulta em 40 calorias de leite, ou 22 de ovos, ou 12 de carne de frango, ou 10 de carne suína, ou ainda somente três calorias de carne bovina. Dois terços das rações produzidas atualmente vão para alimentar frangos e suínos.
Em termos de conversão de proteínas, o estudo concluiu que, para cada 100 gramas de proteínas contidas nos grãos dados como ração aos animais, geram-se 43 gramas de proteína de leite, ou 35 gramas de proteína de ovo, ou 40 gramas de proteína de carne de frango, ou 10 gramas de proteína de carne suína, ou 5 gramas de proteína de carne bovina.
Outra pesquisa acadêmica, de 2018, conduzida por cientistas da Universidade Johns Hopkins, concluiu que a conversão de proteína nas aves é de 34%, nos porcos de 15%, e nos bovinos de 10%. A conversão de calorias é de 25% no caso dos frangos, 11% nos porcos e 5% nos bovinos.
Um terceiro estudo mais recente, de 2024, citado pela ONG, vai na mesma direção. Pesquisadores europeus concluíram que apenas 34,7% da energia contida nos grãos cultivados para ração foram transformados em calorias disponíveis para alimentação humana no período de 2015 a 2019, o que significou uma perda de 65,3% da energia produzida.
Desperdício
Para a organização Compassion in World Farming, é preciso “ampliar o conceito de desperdício de alimentos para além da definição convencional (como alimentos descartados pelos consumidores, varejistas, e outros negócios de alimentos) para incluir o desperdício de alimento encravado nas culturas de ração para criações de animais”.
Com base nesse conceito, a organização calcula que, no Brasil, o equivalente a 40,4 milhões de toneladas de grãos produzidos para ração, embora sejam consumidos pelos animais, não viram energia e proteína para consumo humano. É o dobro do quanto atualmente se estima que exista de desperdício convencional de grãos no Brasil – 20 milhões de toneladas.
Na China, a organização estima que o desperdício no sentido ampliado seja de 203 milhões de toneladas de grãos. Depois, aparecem Estados Unidos (160 milhões de toneladas) e União Europeia (124,6 milhões de toneladas). Globalmente, o desperdício de proteínas e calorias é estimado em 766 milhões de toneladas ao ano.
Efeito poupa-terra
Atualmente, 350 milhões de hectares ao redor do planeta são cultivados com diferentes tipos de grãos e oleaginosas destinados para rações e biocombustíveis. Ao mesmo tempo, a área de cultivo no mundo destinada para a produção de frutas, vegetais, legumes, nozes, raízes e tubérculos soma 318 milhões de hectares.
Essa área é representativa dentro dos sistemas alimentares globais. Segundo o estudo, 45% das terras aráveis usadas na agricultura são semeadas com grãos para ração. Na soja, a proporção chega a 77%.
Em um cenário hipotético em que toda a produção de grãos deixasse de ocorrer para a produção de ração animal, a organização Compassion estima que 175 milhões de hectares seriam “liberados” para outros usos, uma área quase do tamanho da Indonésia.
Saiba-mais taboola
Segundo a ONG, 50% de toda a terra que hoje é ocupada com soja e grãos teria que ser ocupada por outros cultivos que substituam a oferta de alimentos que atende à demanda atual. Já os outros 50% (175 milhões de hectares) poderiam ser cultivados com produtos que atenderiam uma demanda adicional de 2 bilhões de pessoas ao ano, segundo a ONG.
A organização ainda pontua diversos efeitos ambientais negativos que decorrem hoje da produção agrícola voltada para a fabricação de rações, como utilização de água, emissões de gases de efeito estufa, perda de biodiversidade, desperdício de fertilizantes, aumento do uso de agrotóxicos.