Que o Brasil sofre com uma infraestrutura logística, todo mundo já sabe. Temos uma malha logística maltratada, é dizer, estradas em más e péssimas condições, custos elevados, problemas com roubos, falta de planejamento operacional e estratégico, má qualidade da frota em circulação, enfim, é um tormento que nos acompanha há décadas – acho até que podemos dizer “há séculos”.
A evolução da malha logística no Brasil, desde o século 19, reflete as prioridades econômicas e políticas de cada período, passando por uma forte dependência de alguns modais e chegando, hoje, a um cenário de desafios que requer alto investimento e inovações tecnológicas.
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Ainda no século 19, a logística brasileira era dominada por dois modais principais: o ferroviário e o aquaviário (fluvial e marítimo). O transporte fluvial e as rotas marítimas já eram essenciais desde o período colonial, ligando o litoral e os centros urbanos. A grande mudança veio com a expansão das ferrovias, que se tornaram a espinha dorsal do escoamento da produção agrícola, principalmente do café.
Mas o século 20 marcou uma guinada na matriz logística do Brasil. A partir da década de 1950, com a industrialização e a entrada de montadoras de veículos no país, o governo priorizou a construção de rodovias em detrimento das ferrovias. Essa política tinha como objetivo integrar o território nacional e fomentar a indústria automobilística. O modal rodoviário, com capacidade de chegar a locais de difícil acesso, rapidamente se tornou o principal meio de transporte de cargas e passageiros.
Era o caminho mais fácil, mas não necessariamente o melhor. A dependência excessiva do modal rodoviário gerou problemas que persistem até hoje, como a sobrecarga das estradas, altos custos de manutenção e a vulnerabilidade do transporte de grandes volumes a longas distâncias.

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De acordo com o Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), em 2023 os custos logísticos no Brasil representaram 18,4% do PIB, percentual significativamente superior ao registrado nos Estados Unidos, de 8,7% do PIB.
Dentro desse total, a maior parte está associada ao transporte, que sozinho respondeu por 9,3% do PIB, devido à forte dependência do modal rodoviário. Outros fatores que influenciaram os custos em 2023 incluem os estoques, com 7,01% do total, a armazenagem, com 1,42%, e os custos administrativos, com 0,67%.
Considerando que o agronegócio é um dos setores mais relevantes da economia brasileira, e que, segundo o estudo recente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o PIB do setor pode chegar a R$ 3,79 trilhões em 2025 — R$ 2,57 trilhões do ramo agrícola e R$ 1,22 trilhão do pecuário — é fundamental avaliar como a precária infraestrutura logística afeta diretamente sua performance.
Imagine que um caminhão carrega grãos numa fazenda no Mato Grosso (MT) e leva a carga para o silo mais próximo. De lá, possivelmente, esses grãos seguem para um silo maior ou para um grande armazém de uma empresa de trading. Em seguida, novamente em caminhão, na grande maioria das vezes, seguem para algum porto no litoral brasileiro, derrubando grãos pelo caminho.
Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), publicado em 2017, aponta que o transporte rodoviário é o principal responsável pelas perdas logísticas de grãos no Brasil. Segundo o levantamento, o transporte rodoviário em vias de boa qualidade gera perdas de 0,132% da carga, enquanto em vias de qualidade inferior esse percentual sobe para 0,267%. Esses números são superiores às perdas registradas nos modais ferroviário e hidroviário, ambos com 0,17%,
E, enquanto o governo não resolve a questão logística, e, neste momento, sequer podemos acreditar que haja uma solução de curto prazo, o produtor rural precisa encontrar uma forma de mitigar essas perdas. A primeira coisa a se fazer é fugir da informalidade.
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O produtor rural precisa buscar, tanto quanto possível, operadores logísticos profissionais, com frotas adequadas, e com ele assinar um contrato que indique todas as responsabilidades próprias do transportador. O Contrato de Transporte precisa detalhar todos os termos da viagem e as obrigações do transportador em relação à carga, desde o recebimento até a entrega ao destinatário.
Ainda com relação ao operador logístico, é importante que o produtor rural se certifique de que ele cumpre a regulação aplicável, sobretudo com relação a documentos como tais como o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) e o Certificado de Segurança Veicular (CSV), além de documentos fiscais da carga, como a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), o Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) e o Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e).
É igualmente importante a contratação de seguros de performance e de roubos. Especificamente quanto ao roubo de cargas, vale usar como exemplo o caso atual da cafeicultura. Ora, dado o preço atual da saca de café, que atingiu R$ 2.376,04 (saca 60 kg – Indicador do café arábica Cepea/Esalq, consulta em 15/09/2025), o número de roubos/furtos aumentou exponencialmente. O produtor de café, portanto, precisa ter seguro para esse tipo de ocorrência.
No fim do dia, o que se verifica é que o produtor rural precisa estar mais atento às questões contratuais e regulatórias, o que, inclusive, justificará a contratação de uma assessoria jurídica. Se por um lado isso traz mais custos, por outro traz mais segurança. O caminho do agro é, sem dúvida, a profissionalização e a adequação de seus processos para fora da porteira.
*Pedro Salles, advogado, sócio do Salles Nogueira Advogados e membro efetivo – Comissão de Direito do Agronegócio – IBRADEMP
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