Pela segunda vez em menos de dez anos, o mercado de castanha- do-Brasil vive um apagão na oferta no país. Reflexo da seca que assolou a região Norte entre agosto de 2023 e maio de 2024, a queda na produção da amêndoa nativa da Amazônia chegou a paralisar indústrias beneficiadoras e comprometeu a renda de extrativistas da região diante da oferta expressivamente menor. Segundo pesquisadores, a quebra é histórica e deve superar a registrada em 2017, quando problema semelhante desestruturou a cadeia.
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“A gente já imaginava que teria uma quebra na produção, mas o que acabou acontecendo não foi uma quebra, zerou”, afirma Geander Bartolomeu, presidente da Cooperativa de Produtores Rurais do Vale do Guaporé de Seringueiras (Coopervags), na cidade de Seringueiras (RO) .
Com uma capacidade de processamento de 15 toneladas ao ano, a cooperativa parou de industrializar a castanha em fevereiro deste ano, quando os preços aos extrativistas já acumulavam alta de mais de 100%, e eram negociados a R$ 80 a lata de 10 a 13 quilos. “Hoje, se você encontrar [a castanha], vai estar entre R$ 150 e R$ 250 a lata”, diz Bartolomeu.
Em Rio Branco, no Acre, a Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre) vai paralisar, pela primeira vez desde 2015, a sua principal linha de processamento devido à queda de 70% na disponibilidade de castanha. Em Xapuri, onde mantém uma unidade de beneficiamento menor, a cooperativa operou por apenas dois meses nesta temporada, reduzindo a produção total de 1,5 mil toneladas em 2023/24 para apenas 600 toneladas em 2024/25.
“A gente viveu a situação de 2017, que já foi fora da curva, e não esperava que em menos de dez anos fosse acontecer uma quebra ainda mais significativa”, lamenta o gerente comercial da cooperativa, Kássio Almada.
Com a volatilidade dos preços, ele afirma que as compras deste ano atrasaram quase três meses por falta de parâmetro. “Foi somente do meio para o fim da safra que a gente conseguiu formar o custo de produção, ter margem e fazer o detalhamento da nossa composição de custo e de preço”, acrescenta.
Produção abaixo da média
Na Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto, em Rondônia, a queda na produção de castanha-do-Brasil também surpreendeu as comunidades locais. De acordo com o presidente da Associação dos Seringueiros e Agro-extrativista do Baixo Rio Ouro Preto (Asaex), Paulo Silva, a produção local ficou em menos de 20 toneladas no último ciclo, comparado a uma média histórica de 100 a 150 toneladas.
“O impacto foi muito grande porque na maioria das vezes nós pegamos empréstimos com atravessadores e muitos não conseguiram pagar [os empréstimos]”, diz Silva. Filho de extrativistas, ele se recorda da quebra registrada em 2017, quando a produção de castanha do Brasil despencou após a seca registrada entre 2015 e 2016, e afirma: “Este ano está pior”.
Saiba-mais taboola
O diagnóstico é o mesmo feito pela Embrapa Rondônia, que em março deste ano divulgou uma nota técnica em conjunto com outras unidades para alertar sobre o problema. O documento ressalta que a seca e seus efeitos sobre a produção de castanha são fenômenos atípicos e que não significam uma ameaça permanente à atividade, visando justamente acalmar a cadeia.
A chefe-geral da Embrapa Rondônia, Lucia Helena Wadt, recorda-se que em 2017, muitas indústrias retiraram a castanha- do-Brasil de seu rol de ingredientes, o que desestabilizou a cadeia por anos. Após a quebra, houve uma superprodução em 2018, com forte queda de preços. “Agora que estabilizou, veio de novo o mesmo problema”, observa.
Com a lembrança de 2017 ainda viva na memória e uma produção equivalente ao total exportado em 2024, a direção da Cooperacre optou por priorizar o mercado interno este ano visando justamente evitar que haja nova redução na demanda por conta dos preços. “A indústria não retira automaticamente a castanha da linha de produção, mas reduz e busca alternativas para poder compor seu preço médio e ter um custo de produção viável”, afirma Kássio Almada, da Cooperacre.
Com isso, a expectativa é de que, mesmo com preços mais altos, a receita total deste ano fique abaixo da registrada em 2024. “Se não houver o consumo esperado, isso afeta a receita”, diz. Atualmente, o valor de venda da castanha já beneficiada pela Cooperacre está em R$ 115 o quilo, bem acima dos R$ 38 a R$ 45 o quilo de 2024.