Comprada pelo fundo Aqua Capital em 2018, a Rech Tratores, de revenda de peças para máquinas agrícolas e de mineração, afundou-se em dívidas nos últimos três anos após crises sucessivas no agronegócio e a alta da Selic no último ano.
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Com um passivo que hoje alcança R$ 660 milhões e vencimentos muito além do que sua capacidade de geração de caixa dá conta de cumprir, a companhia protocolou nesta segunda-feira (15/9) um acordo de recuperação extrajudicial na Justiça de Santa Catarina para reorganizar o pagamento de seus compromissos.
O acordo foi costurado com seus quatro principais credores financeiros, que têm créditos de cerca de R$ 300 milhões com a Rech, com assessoria da RK Partners. O maior credor é o Santander, com R$ 107 milhões em créditos, seguido do Banco do Brasil (R$ 100 milhões), Itaú (R$ 94 milhões), e banco ABC (R$ 33 milhões).
Destes, apenas o BB ainda não concluiu internamente a aprovação do plano, que foi entregue na Justiça sem a participação do banco público. A expectativa é que o BB aprove o plano nos próximos dias e protocole sua adesão ao plano já em juízo.
Se homologado pela Justiça, a recuperação extrajudicial se estenderá sobre todos os R$ 550 milhões que a empresa tem em dívidas com instituições financeiras.
O plano prevê que os bancos convertam seus créditos em debêntures, que serão integralizadas em uma nova companhia a ser criada apenas para receber esses passivos. Essa nova empresa entrará como controladora da Rech, “esvaziando” o passivo da empresa operacional. Essas debêntures só serão quitadas quando o Aqua vender a companhia – ou caso ocorra outro “evento de liquidez”, como dividendos futuros.
As partes concordaram em dar um prazo até dezembro de 2030 para que essa venda ocorra. Se nenhum “evento de liquidez” ocorrer até lá, os credores financeiros terão a possibilidade de converter suas debêntures em participação, ou de permanecer com os títulos e aguardar o momento em que o Aqua se desfizer da empresa.
Essa estrutura permitirá que a Rech, sem o passivo, possa direcionar sua geração de caixa para a operação, afirma Luiz Gustavo Silva, CEO que foi chamado pelo Aqua no ano passado para a comandar a reestruturação da companhia. Nos últimos anos, a atenção com a operação ficou comprometida, o que provocou dificuldades para a companhia recompor estoques, provocando falta de produtos nas prateleiras e consequente perda de clientes.
Problema semelhante ocorreu no Agrogalaxy, rede de distribuição de insumos agrícolas controlada também pelo Aqua Capital que acabou entrando em recuperação judicial e está cumprindo seu plano já aprovado pelos credores.
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No ano passado, a Rech teve um lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) negativo em R$ 30 milhões e uma receita líquida de R$ 420 milhões. No auge, em 2022, a empresa teve uma receita líquida de R$ 820 milhões.
Os credores que se colocarem como “apoiadores” do plano poderão converter seus créditos nessas debêntures com a condição de que liberem as garantias extraconcursais que detêm, como alienação fiduciária de recebíveis e de estoques, ou ainda liberando novos financiamentos à Rech.
A ideia é que a liberação das garantias sobre os recebíveis permita que a Rech antecipe recebíveis junto a fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). “Podemos levar esse recebível a mercado, trazer dinheiro e fazer a companhia girar”, afirmou o CEO. Já os credores que não aderirem ao plano não converterão seus créditos em debêntures e só serão pagos conforme a capacidade de geração de caixa da Rech permitir.
Para destravar o acerto com os credores, o Aqua Capital comprometeu-se a fazer uma injeção de capital de R$ 45 milhões na Rech. O fundo de private equity já havia feito aportes no negócio – somente entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano, eles somaram R$ 15 milhões. Desde que comprou a Rech, o Aqua nunca recebeu dividendos e tem R$ 100 milhões em mútuos em aberto com a companhia, que agora serão perdoados.
A Rech vem trabalhado agora para convencer os fornecedores a abraçarem o plano. O acordo prevê que, para os fornecedores que possuem créditos superiores a R$ 200 mil (vencidos e a vencer), a empresa pagará suas dívidas em até 120 dias, desde que o fornecedor apoie o plano de recuperação e continue vendendo seus produtos à Rech. Para os fornecedores com créditos inferiores a R$ 200 mil, nada muda.
Atualmente, a maior parte dos fornecedores da Rech são empresas estrangeiras, que recebem parte de suas vendas antes mesmo do produto ser embarcado ao Brasil. Entre os fornecedores nacionais de peças de máquinas agrícolas, normalmente os pagamentos giram entre 30 a 90 dias.
Os problemas da Rech começaram com o início da pandemia, quando muitas empresas anteciparam compras para evitar gargalos no fornecimento com o fechamento da China – um dos maiores fornecedores de peças da empresa. Isso gerou um acúmulo de estoques, segundo Bruno Baciocchi, sócio da RK Partners.
Em seguida, a guerra na Ucrânia provocou em 2021 o primeiro choque na renda dos produtores ao aumentar os custos de produção com fertilizantes. Nos dois anos seguintes, duas quebras de safra dos grãos e o início de um ciclo de baixa nas commodities ampliaram a redução das margens no campo.
Esses fatores fizeram com que a conta de inadimplência da Rech começasse a crescer, saindo de R$ 10 milhões em 2022 para R$ 36 milhões em créditos inadimplentes com clientes atualmente.
“Quando vem a crise, a primeira coisa que o produtor faz é parar de comprar máquinas”, diz Silva. O perfil dos devedores da companhia mostra que a redução da margem dos grãos teve forte efeito sobre sua crise. A empresa tem 30 mil clientes, do quais 70% são pessoa física, e dois terços de sua receita líquida provém do Mato Grosso.
Em paralelo, a companhia tinha passado por um recente movimento de expansão, com aquisição de duas empresas – a Telmaq e a Tratcor –, o que tinha aumentado a complexidade de sua gestão.
Para reduzir custos, o novo CEO já fechou cinco lojas e demitiu 680 funcionários. “Hoje todas as lojas são rentáveis. Antes, 20% não era”, diz.