Mesmo diante de perspectivas positivas para a próxima safra, incertezas relacionadas ao crédito e ao clima seguem como entraves para o produtor rural brasileiro, apontou Airton Galinari, presidente da Coamo Agroindustrial Cooperativa no Agro Summit, evento promovido pelo Bradesco BBI em São Paulo. Entre os principais pontos de atenção estão o atraso na liberação de crédito, a dificuldade de retirada de insumos e a imprevisibilidade do regime de chuvas nos próximos meses.
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Galinari afirmou que muitos produtores já compraram os insumos, mas ainda não conseguiram retirá-los, por falta de aprovação de crédito junto às revendas. “O produtor comprou, mas não retirou. O problema do crédito é sério. Vai conseguir retirar esse produto? A revenda vai aprovar o crédito?”, questionou. Segundo ele, as próximas semanas serão decisivas para garantir um bom início de plantio.
Em relação a tarifas e conflitos geopolíticos, Galinari afirmou que as decisões no campo seguem guiadas mais pelas condições no campo do que por questões de mercado. “O produtor está olhando para o céu e para o celeiro. Se está com adubo colocado, semente, ele vai plantar. Não importa a geopolítica. O negócio dele é plantar”, afirmou.
Ainda assim, ele reconheceu o impacto de safras frustradas anteriores, que deixaram muitos agricultores descapitalizados e dependentes de linhas de crédito para seguir com a produção. Sobre as condições climáticas, Galinari foi cauteloso.
“Já cansamos de sair das festas de fim de ano tudo bem e voltar depois do primeiro de janeiro e 20 dias de seca mudarem completamente o cenário. Agora é tudo previsão”, disse, lembrando que o início da safra de soja é crucial para o planejamento da safra de inverno, como o trigo. Apesar da cautela, a expectativa da cooperativa é que o Brasil possa atingir até 140 milhões de toneladas de milho nesta safra.
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Já Luiz Dumoncel, presidente do conselho e acionista da 3Tentos, acredita que o cenário é de moderado otimismo. Ele mencionou que as primeiras áreas começaram a ser plantadas na última segunda-feira (8/9), logo após o fim do vazio sanitário, mesmo com a previsão de um La Niña de baixa intensidade e atraso nas chuvas, principalmente no Centro-Oeste. “Estamos vendo as áreas sendo plantadas desde segunda-feira. A perspectiva é positiva em termos de área plantada, um pouquinho mais, talvez, o Brasil como um todo”, afirmou.
Dumoncel comentou que, embora haja uma leve retração de área no Rio Grande do Sul, estimada em até 2%, especialmente na metade sul do Estado, a expectativa é de produtividade superior à do ciclo anterior. “A previsão, agora, é de que a partir de dezembro tenhamos um clima mais chuvoso em todo o Brasil. A expectativa é de produção de 180 milhões de toneladas de soja”, disse, apontando que se trata de uma projeção do mercado.
No caso do milho, a projeção gira em torno de mais de 140 milhões de toneladas, com parte da produção sendo direcionada ao consumo interno, principalmente para fábricas de ração e usinas de etanol, o que ajuda a equilibrar os desafios logísticos.
Dumoncel também chamou atenção para a lentidão na comercialização da safra futura de soja, que está em apenas 19%. Já a safra atual tem entre 86% e 88% já vendida. “Fica aqui o nosso recado, junto com o produtor rural, para que a gente consiga ir fazendo a compra dos insumos e consigamos fazer esses heads”, disse, defendendo maior foco em gestão de risco e planejamento financeiro.
Crédito e margens
A expectativa para a safra é de “resultados bons em todos os produtos em termos de volume, não tanto em termos de margem de preço”, afirmou no evento Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global e Conselheiro da Minerva, Cargill e Rumo.
Com o avanço do ciclo, os produtores rurais seguem concentrando sua demanda de crédito no custeio da produção, enquanto investimentos em maquinário e estrutura estão sendo postergados. A avaliação é de Roberto França, diretor de Agronegócio do Bradesco, que vê o atual cenário financeiro do campo marcado por maior cautela e margens mais pressionadas, sobretudo entre os produtores com maior dependência de terras arrendadas.
Segundo ele, mesmo que apenas 30% dos produtores decidissem investir em máquinas agrícolas ou infraestrutura neste momento, já haveria limitação de recursos disponíveis. “Tem muita gente com maquinário antigo. Quem tem equipamento mais novo está postergando a troca. Ele só vai investir se tiver uma folga no fluxo de caixa ou na renda agrícola.”
A decisão de segurar investimentos, segundo França, também reflete o entendimento de que a troca de máquinas é, essencialmente, uma aposta em produtividade futura. “Ele entrega a máquina e compra uma nova para ganhar produtividade, mas agora ele consegue empurrar um pouco mais essa troca”, explicou.
França também destacou que o impacto da alta dos juros e dos custos de produção varia conforme o perfil do produtor. Ele divide o público rural em três grandes grupos: o produtor que opera em terras próprias, o que cultiva parte da área arrendada e o que depende quase integralmente de arrendamento.
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No primeiro caso, mesmo com taxas de juros mais elevadas, a rentabilidade permanece viável. “Esse produtor consegue manter uma margem de 25% a 35% na soja, por exemplo”, disse. Já no segundo perfil, o custo do arrendamento reduz a margem, mas a operação ainda se sustenta. O maior risco, segundo França, está no terceiro grupo, que atua quase totalmente em áreas arrendadas. “O arrendamento consome de 20% a 25% da receita, e aí ele ainda tem que pagar o juro alto. Quando chega a hora do juro, já não tem mais recurso”, afirmou.
Nesses casos, muitos produtores acabam sendo forçados a recorrer à venda de ativos ou redução de patrimônio para equilibrar a dívida. “Tenho falado com os produtores: o campo te dá patrimônio, mas tem hora que você precisa entregar um pouco do patrimônio de volta para o campo”, disse o executivo.
Apesar do ambiente desafiador, França vê espaço para crescimento da base de clientes do Bradesco no agronegócio, especialmente entre produtores com perfil equilibrado entre terras próprias e arrendadas. “Esse camarada, com parte da operação em terra própria e parte em arrendamento, é um cliente potencial. Como temos recursos direcionados e subsidiados, conseguimos oferecer crédito com taxas dentro do que o governo permite”, explicou.
O Bradesco aposta nesses produtores para ampliar sua carteira rural, aproveitando, segundo França, o momento em que muitos enfrentam dificuldade de acesso ao crédito em outras instituições. A estratégia da instituição passa pela oferta de linhas com recursos qualificados, vindos tanto de depósitos à vista quanto de modalidades do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR).