
O governo aprovou na semana passada a Taxonomia Sustentável Brasileira, espécie de “dicionário” com os critérios para classificar uma atividade econômica como sustentável. A proposta estava sendo construída em conjunto com reguladores e com representantes de setores econômicos há quase dois anos e passou por mudanças, como a previsão de adoção voluntária, e não obrigatória, como era o plano original do governo.
A construção de uma taxonomia nacional é considerada essencial para o redirecionamento dos financiamentos “verdes”, como os oriundos do Fundo Clima, do programa Eco Invest e das debêntures de infraestrutura. Com critérios claros e compartilhados, os investidores, empresas e cidadãos terão conhecimento se a conduta de uma empresa, por exemplo, está alinhada a objetivos sustentáveis.
O documento está em processo de revisão e será publicado ainda neste mês. Também está em estudo pelo governo a revisão do decreto que criou o Comitê Interinstitucional da Taxonomia Sustentável Brasileira (CITSB), para prever as situações em que a taxonomia poderá ser utilizada, como: referência para rotulagem financeira de ativos financeiros; concessão de benefícios fiscais e creditícios; para orientar a aplicação de recursos públicos; e para orientar os seguros privados e governamentais.
Apesar do entendimento pela não obrigatoriedade de adoção da taxonomia, a subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda, Cristina Reis, afirmou ao Valor que há um interesse dos próprios atores privados em adotar as regras da taxonomia para direcionar investimentos. Além disso, o governo vai induzir a adoção da taxonomia ao adotá-la como padrão nas suas ações verdes.
Segundo Reis, ao longo do processo foi se entendendo que o caminho da adoção voluntária era melhor, considerando até a experiência em outros países, em que a taxonomia passou a ser flexibilizada. “Vamos fazer voluntário porque acreditamos no processo que ela foi construída com legitimidade, com participação, com inclusão, com planejamento, com transparência”, disse.
Projetos-piloto
Haverá agora neste ano uma fase de teses, com projetos-pilotos, e a expectativa é que dentro de dois a três anos a taxonomia já esteja sendo usada pelos principais atores financeiros para verificar se determinada empresa atende aos critérios de sustentabilidade econômica e social para pleitear recursos verdes.
Além do Ministério da Fazenda e dos reguladores, como Banco Central (BC) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a elaboração da taxonomia contou com um comitê consultivo formado por 18 organizações representando setores como o financeiro, a indústria e a agropecuária. O texto também passou por uma consulta pública entre novembro de 2024 e março de 2025.
Essa primeira edição da taxonomia abrange cerca de 500 códigos de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e o objetivo é expandir esse número nas próximas edições. Reis relatou que membros do comitê inclusive já manifestaram formalmente a intenção de incluir textos sobre refino de minerais críticos e veículos automotores, por exemplo.
Etapas
Os elementos estruturantes da taxonomia passam por três etapas: objetivos, setores e critérios gerais. No caso dos objetivos, são 11, mas apenas três foram priorizados nesta primeira edição: mitigação da mudança do clima, adaptação à mudança do clima e redução das desigualdades socioeconômicas, considerando aspectos raciais e de gênero. Esse último critério é considerado como a grande inovação da taxonomia brasileira, que busca também incentivar políticas de igualdade racial e de gênero dentro das empresas.
Já no caso dos setores, a taxonomia contemplou oito: agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura; indústrias extrativas; indústria de transformação; eletricidade e gás; água, esgoto, resíduos e descontaminação; construção; transporte, armazenagem e correio e serviços sociais (turismo, planejamento e desenvolvimento e tecnologias da informação e comunicação).
Os critérios gerais envolvem avaliar se a empresa, por exemplo, tem uma contribuição substancial a pelo menos um dos objetivos, se não prejudica “significativamente” nenhum dos demais objetivos e se tem salvaguardas mínimas.
“A salvaguarda é como se fosse uma peneira inicial, e aí tem indicadores. Isso também é uma inovação no Brasil. A gente vem com esse caderno de salvaguardas, super detalhado, e a gente põe os indicadores de como as empresas, o setor financeiro, vão verificar essas salvaguardas”, disse Reis.
A taxonomia também deve ser um tema tratado durante a COP30, em novembro, em Belém. Segundo a subsecretária, o Ministério da Fazenda e o Itamaraty estão liderando discussões para buscar princípios de interoperabilidade com taxonomias de outros países, considerando também as diferenças entre cada região. “Vamos fazer essa interoperabilidade entre taxonomias, que elas sejam comparáveis, mas admitindo que, nos países em desenvolvimento, o escopo setorial varia, e os objetivos estratégicos, também”, disse.
A ideia, destacou, não é criar uma taxonomia única global, porque isso nem seria possível, já que cada país tem a sua realidade, mas sim chegar a princípios mínimos que podem ser adotados ou requisitos que não podem ser violados pelos países.