A família Carnielli chegou ao Brasil em 1888, na primeira leva de imigrantes italianos que desembarcaram no Espírito Santo para trabalhar nas lavouras de café. Com o passar dos anos, os Carnielli foram agregando produtos e há 38 anos se tornaram a primeira fazenda de agroturismo do país.
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Na propriedade em Venda Nova do Imigrante (ES), o turista pode comprar cafés especiais, queijos e embutidos, biscoitos, fubá e outros alimentos ao som de muita história. A estrela do negócio é o socol, embutido de carne de porco sem refrigeração que a família já produzia na Itália.
Em 2019, o socol conquistou o status de IG (Identificação Geográfica) concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial após uma luta dos produtores de mais de dez anos pelo reconhecimento do produto.
Além do socol, estão no foco do turismo de experiência como alavanca de desenvolvimento econômico do Espírito Santo várias propriedades rurais que produzem cafés especiais, cervejas, morangos “colha e pague”, manteiga e iogurtes artesanais, entre outros produtos. O projeto é desenvolvido pelo Sebrae-ES há 35 anos.
Todos os empreendimentos ficam na região das Montanhas Capixabas, onde se localiza o famoso parque da Pedra Azul. O município de Venda Nova do Imigrante, um dos principais da região, ganhou o título de capital nacional do agroturismo.
Socol da Fazenda Carnielli, de Venda Nova do Imigrante (ES)
Divulgação
Embutido de origem
“Mais que vender cafés, queijos e embutidos, aqui nós vendemos história”, diz Leandro Carnielli, da quarta geração da família de imigrantes italianos, enquanto serve aos turistas degustação de socol e outros embutidos.
Lorenzo Carnielli, seu filho, que saiu da fazenda para estudar, trabalhou em multinacionais e voltou para administrar o negócio na fazenda, diz que apenas sete famílias que vivem numa área específica de 60 quilômetros do município de Domingos Martins podem produzir o embutido com o nome de socol.
“O socol seria um presunto Parma, se fosse feito com a pata do suíno. Mas é um produto de sabor único, feito com o lombo do porco, ou seja a parte anterior. Ele é temperado com alho, sal, pimenta-do-reino e um ‘tempero da nona’, que é o segredo de cada família. A carne fica maturando vários meses ao natural, sofrendo a ação dos fungos da região, e perde 50% do peso, antes de ser lavada e embalada para venda.”
A carne fresca é comprada de abatedouros certificados. “Não quero cheiro de porco na fazenda”, diz o pai.
A fazenda Carnielli, onde trabalham cinco familiares e 38 agregados, produz 500 kg de socol por mês, além de cafés especiais cultivados a 800 m de altura que conquistaram um prêmio nacional em 2002.
A família mantém também uma loja física com seus produtos na capital paulista, no Shopping Portal do Morumbi.
Espaço Valentim
O santo dos desmaios, São Valentim, foi escolhido para nomear o negócio de turismo rural de experiência criado pela família Pizzol, que também desembarcou na região na primeira leva de italianos para plantar café e logo passou a criar gado.
Comandado por Tatiane Bergamin Pizzol, da quarta geração da família, e o marido Rodrigo Guimarães Ferraz, o Espaço Valentim recebe de 200 a 300 pessoas nos finais de semana, além de estudantes do turismo pedagógico durante a semana.
Espaço Valentim, da família Pizzol, em Domingos Martins (ES)
Eliane Silva/Globo Rural
Os visitantes podem passar o dia todo na propriedade. Dá para conhecer o processo de produção do iogurte e da manteiga, interagir com pôneis, coelhos e outros animais, colher morangos e comprar os produtos feitos na fazenda, que serve café da manhã, almoço e piquenique à tarde, com direito a assar marshmallow na fogueira.
“O negócio nasceu com a intenção de oferecer, ao visitante, comida de verdade, aquela que a mãe preparava para a gente. Nosso primeiro produto foi o iogurte artesanal feito com frutas naturais produzidas aqui e fermento importado. Depois veio a manteiga, produzida com o leite de nossas vacas da raça girolando”, diz Tatiane, zootecnista formada em Viçosa (MG), onde conheceu Rodrigo, engenheiro de alimentos.
Os dois casaram suas expertises. “Eu entendia de gado de leite e ele de laticínio.” Rodrigo foi o último a se dedicar 100% à fazenda. Até 2023, ele trabalhava como diretor agrícola da Itambé.
“Na indústria tradicional, tempo é dinheiro. No agroturismo, tempo é qualidade”, diz Rodrigo que, com apoio do Sebrae, fez os projetos de embalagens e branding dos iogurtes e da manteiga, que fermenta por 18 horas após a pasteurização e foi eleita a melhor do Brasil em um concurso em julho do ano passado em Minas Gerais.
A Valentim, que tem uma capelinha para o santo, fica localizada em duas rotas turísticas: a Rota de Orgânicos e Naturais e a Rota Imperial Barcelos, que segue de Ouro Preto até Vitória.
Segundo Rodrigo, a sustentabilidade guia os negócios: o laticínio funciona com energia solar, as águas do processo de fabricação são reaproveitadas e os potes de iogurte viram vasos para suculentas.
Café e cerveja
Outra família de imigrantes italianos que está investindo no turismo de experiência é a Zandonade, que cultiva 29 mil pés de café na região, com foco na produção e beneficiamento do tipo especial. No ano passado, foram produzidos 100 sacos de grãos acima de 80 pontos. Um deles atingiu o recorde de 92 pontos e foi vendido a R$ 780 o quilo.
Os turistas podem acompanhar o processo na lavoura, aprender sobre as diferenças das variedades e depois assistir à torra, com visitas guiadas, inclusive em inglês.
Felipe Zandonade é responsável pela torra de mil quilos de café por mês
Eliane Silva/Globo Rural
Felipe Zandonade, da quarta geração, é o responsável pela torra de mil quilos por mês. Ele conta que seus pais chegaram a abandonar os cafezais e começaram a produzir hortaliças, mas ele e a irmã decidiram voltar para a propriedade e investir na produção de café especial com a marca Zandonade, negócio que garante a renda de toda a família.
Na propriedade de Angelo Rigo, o turista pode viver uma experiência tripla: saborear carnes preparadas no estilo argentino por um chef que veio do país vizinho, harmonizar as carnes e até sobremesas com as cervejas produzidas na pequena cervejaria da família e se hospedar na charmosa hospedaria de cinco quartos. Tudo no mesmo complexo, com vista privilegiada das Montanhas Capixabas.
A Cervejaria Altezza, uma das nove instaladas no município de Venda Nova do Imigrante, começou com a produção de apenas 20 litros no quintal da casa dos irmãos. Em 2011, eles construíram a indústria, que hoje produz de 20 a 30 mil litros de cerveja por mês. Rigo diz que a qualidade da água da região foi fundamental para o sucesso da bebida produzida 100% artesanalmente, sem filtragem ou pasteurização.
Cervejaria Altezza, de Angelo Rigo, produz de 20 a 30 mil litros de cerveja por mês
Eliane Silva/Globo Rural
Terra Nostra
A visita guiada à Terra Nostra, uma casa construída pelo Sebrae na fazenda Pindobas, em Venda Nova do Imigrante, para homenagear os imigrantes italianos que deram origem à região, é a “cereja do bolo” do turismo de experiência no Espírito Santo.
O visitante pode conhecer os utensílios e ferramentas usados pelos primeiros imigrantes em suas casas e na lavoura, interagir com o casal de “nonos” da Casa Nostra, interpretados por atores, entrar na dança de músicas tradicionais italianas, ajudar a ralar o milho e preparar a polenta no fogão a lenha para a degustação com biscoitos no final da visita.
A Terra Nostra, que funciona todos os dias com visitas marcadas, foi a estrela da 5.ª edição da Feira de Experiências do Turismo Rural (RuralturES), de 14 a 17 de agosto. Passaram pela feira 27.343 pessoas, com a geração de R$ 4,5 milhões em negócios.
*A repórter viajou a convite do Sebrae-ES