
A produtora rural Eda Mioranza Thomé é viúva e administra a propriedade junto com o filho, na divisa entre Campo Bonito e Guaraniaçu, no Oeste do Paraná. Cliente antiga da extinta cerealista Fruet, ela foi tomada de surpresa pelo fechamento repentino da empresa, no dia 18 de julho. “Foi uma quebra de confiança sem igual”, frisa. A produtora tinha estocado no local 1.400 sacas de soja da última safra, o que representa um prejuízo de cerca de R$ 170 mil.
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Ela é uma das vítimas do empresário Celso Fruet, que atuava em Campo Bonito há quase 30 anos. Sem uma comunicação oficial aos produtores que mantinham grãos estocados na cerealista, o empresário fechou as portas da empresa, deixando silos e estrutura física do local vazios. Até o momento, 118 produtores registraram Boletim de Ocorrência na delegacia de Guaraniaçu.
Segundo a delegada Raiza Bedim, responsável pelo inquérito policial, o valor do prejuízo calculado até agora ultrapassa R$ 22 milhões. “Os próprios produtores relatam que o número de vítimas é maior, girando em torno de 200 pessoas”, comenta. Para o advogado Milton Machado, que representa mais de 30 produtores lesados, o prejuízo total aos agricultores pode chegar a R$ 40 milhões. Ele acrescenta que a maioria das vítimas são pequenos produtores, “pessoas que perderam tudo o que tinham de economia e para recuperar o prejuízo será difícil”.
No caso de Eda, o dinheiro da venda dos grãos seria aplicado no cultivo da próxima safra, na área de 60 hectares. “A gente está bem preocupado, porque somos pequenos produtores. Tenho parcela de financiamento, contas junto ao banco, preciso me alimentar”, aponta. Por outro lado, ela sente alívio por não ter mantido na empresa um volume maior da produção, como aconteceu com familiares e conhecidos dela, que tinham estocados no local soja e trigo de safras passadas. “Minha esperança é que a situação possa ser revertida de alguma maneira”, diz.
Produtora Eda Mioranza Thomé com os netos; família
Arquivo pessoal
A produtora Silvana Alves conduz, junto com o pai e irmãos, duas áreas rurais que somam 400 hectares nos municípios de Guaraniaçu e Campo Bonito. Ela conta que teve um grande prejuízo financeiro, mas prefere não divulgar valores. Como estratégia do negócio, mantinha na cerealista Fruet 40% da produção de soja. “Ele apresentava condições excelentes, com pagamento de R$ 5 a mais por saca, facilidade na descarga, horários diferenciados e flexíveis, bom atendimento e emissão ágil do pagamento”, elenca.
Boatos de que a empresa enfrentava problemas financeiros, entretanto, levaram a produtora a consultar com frequência os dados públicos da cerealista: “o nome estava limpo, não encontramos irregularidades”. Silvana mantém outras atividades agrícolas e empresariais, por isso se preocupa com a situação dos produtores que dependem exclusivamente do pagamento da cerealista para continuar com os ciclos de plantio. “Sabemos de histórias de produtores que não têm outra alternativa, foi uma crueldade. Além do prejuízo em dinheiro, as pessoas estão desestabilizadas emocionalmente”, salienta.
Para a próxima safra, ela não deve reduzir a área de plantio, mas afirma que reduzirá investimentos nas lavouras. “Não vamos aplicar calcário na terra, estávamos avaliando a compra de maquinário novo, mas também vamos travar isso. E lamento, porque o prejuízo vai passando para o comércio e outros setores.”
Produtores fazem manifestação em frente à Cerealista Fruet, em Campo Bonito PR)
Manifestação
Assim que descobriram o fechamento da cerealista, os produtores se reuniram em frente ao local, buscando chamar a atenção das autoridades. Segundo Silvana, houve contato inicial dos advogados da empresa, mas as negociações não evoluíram. As manifestações ocorreram entre os dias 23 a 25 de julho.
Em vídeo gravado durante a manifestação, a produtora pergunta: “para onde foram os nossos produtos?”, cobrando investigação do trâmite da possível comercialização dos grãos, mesmo sem autorização de parte dos produtores. O agricultor Ari Panho enfatiza: “confiamos nesse cerealista e hoje estamos aqui a ver navios. Como vamos cumprir nossos compromissos?”. Ele conta que autorizou a venda dos grãos, mas não recebeu pelo negócio.
Proprietário da Cerealista Fruet echou as portas da empresa, deixando silos e estrutura física do local vazios
Arquivo/Advocacia Milton Machado
Inquérito
O inquérito policial para investigar a situação foi instaurado no dia 25 de julho. A delegada Raiza Bedim explica, em entrevista à Globo Rural, que a investigação do suposto crime de estelionato consiste em ouvir o depoimento das vítimas e na junção de documentos que comprovem que essas pessoas tinham depositado seus produtos na cerealista. Todas as vítimas que procuraram a delegacia já foram ouvidas e o mandado de prisão foi emitido pela Polícia Civil, que teve pareceres favoráveis do Ministério Público (MP) e do poder judiciário.
O próximo passo é tentar localizar o investigado, que se encontra foragido, finalizar o inquérito e remeter os documentos produzidos durante o processo para análise do MP para abertura de ação penal. Conforme a delegada, a pena de reclusão prevista é de um a cinco anos, sendo a pena somada pelo concurso material de crimes. Isso significa que pode ser calculada a pena de cada crime separadamente, com soma de todas elas para determinar a pena total de reclusão.
“Pretendo finalizar o inquérito nos próximos dias”, afirma Raiza. Já a ação na esfera judicial pode se estender até o próximo ano, acredita a delegada, tendo em vista que são muitas vítimas para serem ouvidas pelo juiz responsável pelo caso, além dos prazos de defesa.
Quanto aos grãos que estavam em posse da cerealista, a delegada informa que até o presente momento não há informações sobre o paradeiro dos estoques. “Sabemos que ele negociava com o porto de Paranaguá e com o porto seco de Cascavel. Pode ter vendido os grãos no decorrer dos meses anteriores, assim como pode ter retirado o estoque e levado para outro lugar”, relata.
Também está correndo na esfera cível, junto ao poder judiciário, o pedido – por parte das vítimas – de bloqueio de bens e patrimônio do investigado. A ação de ressarcimento e indenizações, entretanto, depende de comprovação da autoria do crime.
Copacol
Ao mesmo tempo em que a cerealista foi fechada pelo seu proprietário, ele negociou a venda do local para a Copacol Cooperativa, com sede em Cafelândia, também no Oeste do Paraná. Por meio de nota, a Copacol informou que “a compra limitou-se ao imóvel e equipamentos da estrutura operacional da referida cerealista, na PR-474, em Campo Bonito. A aquisição respeitou rigorosamente todos os princípios previstos na legislação brasileira”.
De acordo com o advogado Milton Machado, que representa parte dos produtores, o objetivo do processo será verificar se o investigado ainda possui bens em seu nome: “buscamos recuperar o patrimônio já desviado”. E, ainda, responsabilizar a Copacol pelas dívidas deixadas pela cerealista, “uma vez que a cooperativa não tomou as medidas de cautela necessárias para a transação”, atesta. A reportagem procurou a cooperativa para comentar essa questão, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria.
Machado ressalta que se passaram quase 30 dias do fechamento da empresa e nenhum plano de pagamento foi apresentado aos produtores. “Pelo contrário, há tentativa de esvaziamento de patrimônio e transferência de altos valores antes de fechar a empresa”, aponta.
O que diz o investigado
Em entrevista à Globo Rural, o advogado Higor Fagundes, que representa o empresário investigado Celso Fruet, explica que Fruet pretende apresentar um plano de reestruturação para pagamento dos credores. “Ele acredita que é possível dar a volta por cima e fazer o pagamento de todos”, afirma.
Segundo Fagundes, o empresário passou por graves problemas de saúde há dois anos e teve que se afastar da empresa para tratamento de um câncer, quando o negócio começou a enfrentar dificuldades financeiras. “Celso tinha até então um comércio sólido e próspero, mas ficou fora do setor tático e estratégico da empresa, gerando dissabores. Ele lamenta profundamente a situação, mas tem que estar solto para pagar”, completa.
O advogado afirma que as informações de que o empresário “esvaziou o patrimônio” não são verdadeiras e garante que ele tem propriedades como imóveis, área rural e créditos a receber, o que deve possibilitar o acerto das dívidas. Fagundes complementa que o empresário vendeu os grãos e a estrutura da empresa para pagar credores e que ele deve se apresentar à Justiça.