Foram quase 14 anos como repórter e editor da Globo Rural: andando e aprendendo nas estradas distantes desse país imenso e trazendo as histórias para as páginas da revista. O impulso para as viagens constantes foi o desenvolvimento acelerado do agronegócio brasileiro também no meu período na Globo Rural, entre 2008 e 2021, com destaque para o papel da chegada da alta tecnologia, da gestão financeira nas fazendas e de outras dezenas de inovações e descobertas científicas.
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Tudo começou antes, quando máquinas gigantescas passaram a atuar na colheita das lavouras, a Embrapa descobria variedades de grãos adaptados aos diferentes climas e as culturas se espalhavam pelos Estados. Isso na agricultura.
Na pecuária, nossas reportagens mostravam os investimentos na qualidade da carne e do leite, na saúde e robustez do gado, sua aclimatação e aumento de produção nos distintos ambientes, seja por meio do cruzamento industrial, da inseminação artificial, da integração lavoura-pecuária e outras técnicas que foram surgindo e nos surpreendiam na redação.
As reportagens procuravam explicar os efeitos das mudanças na vida dos pequenos, médios e grandes produtores, além dos trabalhadores nas fazendas. O cenário promissor e as mudanças seguem sem parada.
Tivemos de correr muito para mostrar o novo e moderno cenário que surgia nas propriedades. E, ao mesmo tempo, o Brasil do agronegócio virava referência no mercado internacional. Importante lembrar que na condição de repórter um tanto andarilho já somei 45 anos.
Sebastião Nascimento: na poeira das estradas
Curiosidade
Gostar dos bichos e falar deles na Globo Rural tem explicação no sangue. Meu avô e bisavô eram produtores de leite e o primeiro às vezes me levava, quando criança, para beber uma caneca no curral. Eu acompanhava a saída do bezerrinho das tetas da vaca, a posterior ordenha e, finalmente, bebia com gosto o leite morno. Queria saber mais sobre esse universo.
Já exercendo a profissão fomos atrás de búfalos na Amazônia, de boi orgânico no Pantanal, de frango nas montanhas de Santa Catarina, de carneiros pelo interior de São Paulo. Descobrimos clones de cavalos, e também adentramos os confins de Mato Grosso na rota da soja e do milho.
Em setembro de 2008, escrevi uma capa para a Globo Rural intitulada “Leite. O futuro é agora”. Com belíssimas fotos de Ernesto de Souza, um dos primeiros a mergulhar no universo agropecuário e também um apaixonado das estradas, e orientados por um profundo conhecedor do assunto, o professor Sebastião Teixeira Gomes, da Universidade Federal de Viçosa (MG), conhecemos alguns dos programas levados às fazendas da região e que comprovadamente permitiam o aumento da produtividade.
Globo Rural de setembro de 2008
Globo Rural
Sempre na poeira dos caminhos. Um aprendizado interminável. As conversas e os cafés com fazendeiros, trabalhadores, vaqueiros, veterinários, zootecnistas, eram gratificantes e auxiliavam demais. Mas foi preciso ainda bastante estudo e empenho. Eu gosto de lembrar que nos aviões e nas estradas tornou-se habitual encontrar jovens recém-formados ou não, satisfeitos e alegres por conta do emprego fixo ou estágio conseguidos em fazendas e empresas rurais.
Uma novidade trazida por mim e pelo fotógrafo Valdemir Cunha, em 2012, repercutiu bastante e atraiu a atenção de criadores de cavalo. Foi o nascimento do Turbantinho JO, clone da lenda do mangalarga Turbante JO, pertencente a José Oswaldo Junqueira, no interior paulista.
Turbantinho nasceu do material genético preservado em um botijão de nitrogênio. Turbante JO já tinha morrido. Na época, a veterinária Perla Cassoli Fleury, da equipe da clonagem, declarou emocionada: “É o retorno da lenda, e não há exagero retórico na frase”.
Coração pantaneiro
Agora quero lembrar de uma bonita reportagem feita por mim na Nhecolância, coração do Pantanal. O foco era o boi orgânico do Pantanal produzido na Fazenda Rancharia pelos irmãos Luciano e Leonardo de Barros.
Eles criavam usando pasto nativo na comida do gado com o manejo adaptado ao ciclo de cheia e seca que garantia a sustentabilidade pantaneira. O resultado era a preservação das matas. Produziam carne orgânica, um mercado em expansão.
Detalhe: Luciano e Leonardo eram sobrinhos do amado poeta do Pantanal, Manoel de Barros. Ele explicava assim a solidão pantaneira em versos: “Aqui é lacuna de gente — ele falou: Só quase que tem bicho, andorinha e árvore”.
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Foi em 2010. Lá, eu e o fotógrafo Ernesto de Souza conhecemos Isolina de Oliveira Penna, a Dona Joia. Sentada em uma cadeira antiga à frente da casa de sua fazenda, a Nhuvai, ela era só lembranças. Olhava para o céu azulíssimo e falava do passado e dos seus ancestrais. Sentia muita saudade. Sempre ali no Pantanal a ouvir o canto do tuiuiú, ave símbolo da região.
O avô, José de Barros, chegou à Nhecolândia em 1889 levando algumas reses e deu início à atividade pecuária. Alguns parentes da Dona Joia foram atrás de ouro em Cuiabá.
A história dela é semelhante a de vários que desembarcaram na Nhecolândia. Dona Joia fazia questão de relatar e manter viva a história dela e de tantos familiares ou não. Mostrava-se feliz por estar passando o controle da terra para seu filho e o neto.
E mais: na Fazenda Rancharia morava Júlia, menina de 11 anos de idade. Enquanto distribuía nacos de carne a três papagaios falantes que a seguiam ela revelava a vontade de dar continuidade aos estudos em Corumbá, 280 quilômetros dali. “Eu gosto muito de estudar. Quero me formar em agronomia e retornar por amor ao Pantanal”.
Bem-estar animal
O bem-estar animal tornou-se preocupação crescente entre pesquisadores, produtores e consumidores de todo o mundo. Eles passaram a exigir em intensidade uma conduta humanitária no tratamento dos animais, no que diz respeito à criação, produção, transporte e abate.
A revista Globo Rural fez muitas reportagens nas fazendas criadoras de bovinos e equinos adeptas aos bons tratos aos animais e que também davam orientações aos trabalhadores responsáveis pelo manejo. As mudanças no comportamento dos animais eram imensas e positivas.
Saiba-mais taboola
Foi personagem nas nossas páginas Eduardo Borba, que comandava cursos na cidade de Capivari (SP) sobre a arte de domar cavalos sem violência. Bastante frequentadas, as aulas de Borba mostravam na prática com os cavalos como eliminar a doma tradicional, marcada pela violência e subjugação do bicho, pelo carinho e atenção no trato diário. .
Borba explicava que não “existia a possibilidade de mudar os animais se as pessoas não forem mudadas”. Ele ensinava a proprietários, vaqueiros e cavaleiros a arte da doma racional humanitária na pista e com a intensa participação de todos.
Em 2014, realizei uma entrevista com Mateus Paranhos, professor da Unesp de Jaboticabal e um dos introdutores do tema bem-estar animal no país. Seus alertas e orientações na entrevista tiveram repercussão intensa à medida que falava um mestre no tema e cientista reconhecido.
Aqui vai uma frase definitiva de Paranhos: “O bem-estar animal é demanda da sociedade. Ninguém mais quer ver o bicho sofrendo”. Assim, avisava que havia uma vigilância geral no sentido de dar um basta ao sofrimento do animal e de forma rápida.
“É o produtor que tem de fornecer água e comida e também analisar o comportamento do bicho e a temperatura ambiente. Fundamental ainda é ensinar a equipe de vaqueiros a ser menos agressiva, já que a brutalidade ainda é uma rotina. A negligência pode ser fatal e trazer prejuízo, além de influenciar negativamente a imagem da pecuária frente à opinião pública”. O professor Paranhos morreu em julho deste ano.
Mulheres à frente
Ganhou destaque no cenário do bem-estar animal ainda a pecuarista e veterinária Carmen Perez, uma paulistana que partiu para administrar a fazenda Orvalho das Flores, em Araguaiana, Mato Grosso.
Ela revelou ter ficado horrorizada com a brutalidade no manejo dos animais e resolveu mudar tudo. O tratamento humanitário entrou para valer na fazenda de Carmen, que hoje divulga e orienta a sua aplicação em variados pontos do país.
E por falar em Carmen Perez, eu e os fotógrafos Rogério Albuquerque e Cristiano Borges preparamos uma capa em 2018 mostrando a ascensão das mulheres no agronegócio, gerenciando fazendas, assumindo cargos de CEOs em empresas da área ou emprestando sua competência nos laboratórios, entre outras atividades.
Hoje, a presença feminina multiplica-se pelo setor, porém, há sete anos, o crescimento delas, que já acontecia, ainda tinha pouca divulgação.
Globo Rural de maio de 2018
Globo Rural
Universo virtual
Houve um grande esforço para conhecer, interpretar e informar o leitor sobre o crescimento veloz e expansivo do agro brasileiro. O setor virou referência mundial. Acredito que baseada nesse esforço e vontade, a chefia da Globo Rural me convidou, então, para escrever um blog.
Na tela, junto às notícias, eu colocava emoção no texto e emitia opinião. Fiquei bastante satisfeito. Entendi que foi um reconhecimento ao meu trabalho de décadas. Lembrei das estradas percorridas ao longo da vida. Valeu a pena.
Quero deixar registrado aqui o meu agradecimento a todos os colegas da Globo Rural com os quais trabalhei e convivi esses longos anos. Nossas conversas de amizade, eliminação de dúvidas, trocas de conhecimento na redação, colaboraram para tornar a revista leitura habitual e útil na vida dos brasileiros. Digo isso por ter andado muito pelo Brasil.
Mesmo no contexto da veiculação ilimitada das informações via universo virtual, Globo Rural impressa continua admirada e respeitada. Graças aos esforços de todos.