Estoque da espécie, que está em segundo lugar no ranking de exportações de pescados brasileiros, está pelo menos 30% abaixo do ideal O pargo (Lutjanus purpureus), um peixe de água salgada listado como espécie em extinção desde 2014 e que está na vice-liderança no ranking de exportações do pescado brasileiro, só perdendo para a lagosta, teve sua safra reaberta em maio sem o estabelecimento de uma cota de pesca que deveria ter sido fixada há quase sete anos.
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No ano passado, o Comitê Permanente de Gestão (CTG) de Recursos Demersais Norte-Nordeste, que reúne representantes do governo (ministérios e entidades ambientais da administração pública federal e estadual), pesquisadores e instituições da sociedade envolvidas com o setor pesqueiro, chegou a um consenso sobre a necessidade de limitar urgentemente as capturas do pargo, já que o controle de embarcações não funcionou. O CTG é responsável por subsidiar a tomada de decisões do governo federal.
Na última reunião, em abril deste ano, a cota consensual foi de 3.300 toneladas e a cadeia da pesca esperava a publicação de uma portaria com o limite antes da abertura da safra. Antes, tinham sido feitas propostas de limite de 3.500 pelo Conepe (Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura), 4.000 pela Abipesca e 4.500 pela Pesca BR, entre outras.
O diretor-geral da Oceana, Ademilson Zamboni, uma das entidades que participa do CTG, lembra que o Plano de Recuperação da espécie foi elaborado em 2018, com propostas embasadas em critérios e evidências científicas. Entre as estratégias emergenciais previstas estavam a adoção do volume máximo de captura com base em modelos estatísticos que avaliam a capacidade de recuperação da população em relação ao que é retirado do ambiente.
Na mais recente avaliação de estoque feita pelo Projeto RepensaPesca em 2022, a população de pargo já estava 30% abaixo dos níveis ideais.
“O limite de captura é uma medida utilizada globalmente, com resultados comprovados para reduzir ameaças de colapso e tornar as pescarias perenes. No Brasil, infelizmente, essa prática ainda é uma exceção”, diz Zamboni. A cota existe apenas para a pesca da lagosta e da tainha.
O diretor-científico da Oceana, Martin Dias, diz que a cada dia que passa sem o novo regramento, a responsabilidade pela sobrepesca do pargo recairá, principalmente, sobre o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA), o responsável por elaborar a Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, que trata dos peixes e invertebrados aquáticos. É o MMA quem tem o dever de fechar a pescaria ou de implementar ações para sua sustentabilidade.
“O ministério não faz uma coisa nem outra. Mantida esta toada, o caminho é um colapso iminente”, diz o oceanógrafo.
Segundo ele, o Brasil vive um conflito quando o assunto é autoridade pesqueira. Isso porque cabe ao Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e ao MMA, de maneira conjunta, construírem os regramentos necessários para garantir o bom uso dos recursos pesqueiros, mas há um vácuo na cadeia de decisões sobre a gestão das espécies que são entendidas, ao mesmo tempo, como fauna e como recurso pesqueiro.
“Não deveria haver um dilema aí. Nesses casos, a conservação pautada pelo uso sustentável deve prevalecer sobre uma proteção integral. Mas, enquanto isso não se define, os prejuízos ambientais vão se acumulando, assim como os socioeconômicos”, aponta Dias.
Em 2022, a população de pargo já estava 30% abaixo dos níveis ideais
MPA/Divulgação
Anualmente, o Brasil exporta cerca de 4.500 toneladas de pargo, embora haja um desencontro entre o volume exportado e o que foi pescado. Em 2023, por exemplo, o total embarcado representou o dobro do que indicavam os mapas de bordo de produção. De lá para cá, a diferença diminuiu.
André Brugger, gerente de sustentabilidade e compliance da maior importadora de pargo brasileira, a norte-americana Netuno (uma distribuidora atacadista de frutos do mar que atende varejistas, supermercados, restaurantes e outros serviços alimentícios, com sede em Fort Lauderdale, na Flórida), diz que houve uma melhora nos procedimentos com a retomada das reuniões do CTG, mas o setor esperava que a portaria fosse publicada antes da abertura da safra deste ano, que vai até dezembro.
A empresa recebe de 2.000 a 2.500 toneladas por ano de pargo do Brasil e importa no total cerca de 10 mil toneladas de pescado por ano de 20 países, incluindo Vietnã e outros asiáticos.
“Aqui nos Estados Unidos, o rigor para a importação aumentou neste ano. O governo brasileiro facilitou estabelecendo uma licença (LCPO ou Licença, Permissão, Certificado e Outros Documentos), que reúne todos os requisitos exigidos pelo governo americano, mas falta o limite de captura.”
O oceanólogo Cadu Villaça, presidente do Conepe, diz que, além da cota, falta estabelecer o tamanho mínimo de captura do pargo.
“Além do estoque em sofrimento, o mais grave é a qualidade de maturidade sexual dos pargos que estão sendo pescados. Cerca de 60% das capturas são de peixes muito jovens que estão abaixo do tamanho de maturação, ou seja, ainda não têm idade para reprodução, o que reduz mais as chances de reposição dos estoques.”
O tamanho mínimo acordado no CTG é de 33 centímetros de comprimento da cabeça até o vértice do rabo.
Cadu diz que a portaria ainda pode ser publicada neste ano, mas vai ser difícil mudar as regras do jogo “com a bola rolando”. O estabelecimento da cota também inclui a publicação de “warnings” (alertas) quando o limite de pesca estiver próximo de ser alcançado.
Anualmente, o Brasil exporta cerca de 4.500 toneladas de pargo
Christian Braga/Oceana
Ministérios
Em notas, o MMA e o MPA disseram que estão avaliando juntamente com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) as condições necessárias ao controle e monitoramento para a implementação da cota e do tamanho mínimo, “visando concluir a proposta o mais breve possível para a publicação da norma”.
Os dois ministérios afirmam que a pesca do pargo conta com limites como o número de embarcações que podem capturar essa espécie como alvo, os apetrechos de pesca permitidos, a área de pesca autorizada, um período de defeso que abrange pouco mais de um terço do ano e a proibição da pesca em áreas costeiras até 50 metros de profundidade, onde se concentram os indivíduos mais jovens.
“O limite de captura total por ano ainda não foi estabelecido, mas está se buscando avançar e definir com prioridade essa cota a partir das recomendações científicas mais atuais, com discussões junto ao CTG”, diz a assessoria do MMA.
Questionado sobre o limite que deve ser estabelecido, o ministério diz que o ideal seria uma redução entre 30% e 50% do volume que é pescado atualmente. “Há estudos, como avaliações de estoque, que mostram que, se quisermos recuperar o pargo de forma mais rápida, deveríamos ter uma redução maior da pesca, mas os efeitos no setor também devem ser considerados nessa definição, para promover a recuperação da espécie com equilíbrio ambiental e socioeconômico”.
Sobre o fato de o volume exportado superar o total pescado, o MPA afirma que houve um avanço e modernização do sistema de monitoramento dos dados de captura, que estão agora mais acurados, chegando bem próximo aos dados de exportação. Isso foi possível com a adoção do Sistema PesqBrasil – Mapa de Bordo, instituído por portaria em setembro de 2023, que melhorou o monitoramento das capturas de pargo e outras espécies.
Com base nesses dados, a assessoria do Ministério da Pesca diz que o volume registrado no sistema de monitoramento das três espécies de pargo em 2024, que totalizou 4.028 toneladas, supera o volume efetivamente exportado, que foi de 3.864 toneladas.
Sobre a responsabilidade pela regularização da pesca do pargo, os dois ministérios responderam que, por se tratar de espécie ameaçada de extinção, cabe ao MMA, primeiramente, avaliar as medidas de conservação e a viabilidade do seu uso sustentável pela pesca. Essa avaliação resultou no Plano de Recuperação da espécie de 2018. A próxima etapa é o ordenamento da pesca, que cabe aos dois ministérios de forma compartilhada.
Os pargos são capturados com manzuás, armadilhas feitas de malha de ferro que têm uma abertura por onde o peixe entra e não encontra saída
Christian Braga/Oceana
Exportações e tarifas
Espécie demersal (termo em latim significa afundar e se refere a peixes que vivem e se alimentam a maior parte do tempo no fundo do mar) distribuída do mar do Caribe até o sul da Bahia, o pargo é pescado principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país, com destaque para o Estado do Pará.
Os pargos são capturados com manzuás, armadilhas feitas de malha de ferro que têm uma abertura por onde o peixe entra e não encontra saída. Praticamente toda a produção é exportada.
Segundo dados do sistema ComexStat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), desde 2018, cerca de 90% do volume exportado foi para os Estados Unidos, somando no período uma movimentação de US$ 258 milhões. Só no ano passado, as exportações renderam quase US$ 38 milhões.
Brugger, da importadora Netuno, diz que a tendência é o Brasil levar vantagem na guerra tarifária iniciada pelo presidente Donald Trump neste ano, já que países asiáticos concorrentes do Brasil na exportação do pargo podem ter uma tributação maior. Segundo ele, por enquanto a empresa não está repassando aumento de tarifa para os preços.
“Vamos aguardar o fechamento das alíquotas. A intenção é parar de importar de países com tarifa mais alta.”