Dez anos após o surto de Zika, crianças com microcefalia seguem desafiando limites 

Há quase uma década, o Brasil viveu o maior surto da história causado pelo vírus da Zika, com consequências graves e permanentes para milhares de famílias. No auge da crise, entre 2015 e 2016, cerca de 2 mil crianças nasceram com a Síndrome Congênita do Zika vírus, incluindo 170 apenas no Ceará. Hoje, essas crianças completam 9 ou 10 anos de vida — e, junto a elas, seguem seus familiares, profissionais de saúde e organizações sociais que lutam por inclusão, dignidade e políticas públicas permanentes.

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Raul e Ana Liz são exemplos da geração marcada pela epidemia. Diagnosticado ainda na barriga da mãe, Raul começou o acompanhamento especializado no sétimo mês de gestação. “Ele é acompanhado desde cedo, a gente nunca deixou faltar nada”, conta a mãe. A história de Ana Liz também é marcada pela superação. “Disseram que ela ia nascer e morrer, que não ia mamar… e a gente enfrentou tudo de cabeça erguida”, relatou a família. Essas crianças convivem com deficiências neurológicas, motoras, sensoriais e cognitivas, como explica o infectologista Luan Victor: “Essas alterações precisam de atenção especializada por toda a vida”.

No Ceará, o Caviver (Centro de Aperfeiçoamento Visual Ver a Esperança Renascer) teve papel fundamental nesse percurso. “Fizemos o primeiro mutirão em maio de 2016, com neurologistas, fonoaudiólogos, oftalmologistas e até geneticistas. Isso foi essencial para entender o que estava acontecendo com essas crianças”, explicou Islane Verçosa, diretora-presidente da instituição. O trabalho colaborativo ajudou a diferenciar os casos de microcefalia ligados ao Zika de outras causas virais como toxoplasmose e citomegalovírus.

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Nesta semana, uma conquista histórica reacendeu a esperança das famílias: a sanção da lei que garante pensão vitalícia e indenização para crianças afetadas pelo vírus. À frente da mobilização estava Luciana Arrais, presidente da Unizika, que por anos liderou caravanas de mães a Brasília em busca de reconhecimento. “O governo tinha vetado o projeto. Conseguimos levar a demanda ao senador Randolfe, que articulou com o presidente Lula e conseguimos derrubar o veto. Foi sancionado no dia 1º e publicado no Diário Oficial no dia 2”, contou Luciana, emocionada. “Agora essa mãe pode comprar um remédio sem se humilhar na porta da secretaria de saúde. Isso é dignidade.”

Apesar do avanço, os desafios seguem. Segundo Wendel Paiva, professor e pesquisador, o país ainda precisa evoluir em acesso, inclusão e continuidade de cuidados. “Essa geração não pode ser esquecida. Eles cresceram, continuam precisando de acompanhamento e têm direito a uma vida plena.” A microcefalia já não ocupa mais as manchetes como em 2016, mas para essas famílias, a epidemia de Zika continua sendo uma realidade diária — e a luta, constante.

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