Endividamento preocupa, mas recuperações judiciais são o maior risco para o agronegócio, diz diretor da cooperativa de crédito O Sicredi espera disponibilizar R$ 68 bilhões em crédito rural para a safra 25/26, representando um aumento de 9,8% em relação ao ciclo anterior.
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A instituição estima que os recursos deverão ser distribuídos da seguinte forma: 36% para custeio, 36% para operações com Cédula de Produto Rural (CPR), 18% para investimentos, 7% para linhas de crédito dolarizadas e 2,2% para comercialização e industrialização. Em relação ao perfil dos produtores, 20% dos recursos devem ser destinados à agricultura familiar, 25% aos médios produtores e 12% aos demais perfis.
Durante coletiva com a imprensa, Gustavo Freitas, Diretor Executivo de Negócios, Crédito e Produtos do Sicredi, avaliou positivamente o nível de previsibilidade do Plano Safra 25/26. “Pensando de um ponto de vista prático, estamos na terceira safra deste governo. Talvez seja um plano safra que a gente tenha uma ideia mais clara de para onde vai”, afirmou.
Segundo ele, a taxa de juros mais definida neste ciclo contribui para maior clareza no planejamento. “Na safra anterior era 10,5% com expectativa de que fosse cair. Nessa safra, a gente não tinha dúvida de que a taxa seria alta”, disse.
Freitas também acredita que há risco de contingenciamentos ao longo do ciclo e associou a possibilidade à instabilidade institucional. “Não tenho a menor dúvida [de que pode haver contingenciamento]. É um momento mais difícil do ponto de vista institucional”, avaliou, destacando que espera que eventuais cortes sejam “mínimos e por curto espaço de tempo”.
Na avaliação do Sicredi, a demanda por crédito segue firme, apesar da taxa de juros. De acordo com Vitor Moraes, superintendente de Agronegócio da instituição, a projeção de aumento de quase 10% se baseia em uma expectativa de clima mais estável. “Toda projeção tem premissas. A principal é uma normalidade do ponto de vista climático”, afirmou. Moraes também destacou a força estrutural do setor. “O setor continua forte, com bons fundamentos”, completou.
Freitas reforçou a análise ao explicar que a estimativa de crescimento considera estabilidade climática e a intenção de plantio captada junto aos produtores. “Quando eu faço essa captura [de expectativa na ponta], vem uma demanda até um pouco maior que 10%”, afirmou. Ainda segundo ele, os custos de produção devem subir “um pouquinho”, mas sem alta significativa.
Entre os principais vetores de crescimento, o Sicredi aposta no avanço das operações com Cédula de Produto Rural (CPR) e nas linhas dolarizadas. A expectativa é que o volume das linhas em dólar alcance R$ 4,9 bilhões, um crescimento de 21% sobre a safra anterior. Essas operações são direcionadas a produtores ligados à exportação e representam uma alternativa mais competitiva, com custo estimado em 65% da taxa Selic e isenção de IOF.
A CPR também tem se consolidado como opção em um ambiente de juros altos. Considerada pela instituição como uma solução mais ágil e menos burocratizada, essa modalidade permite ao produtor acessar recursos com mais flexibilidade, segundo Freitas, mas ainda exigindo conformidade ambiental.
Risco de recuperações judiciais
O endividamento do produtor rural cresceu, mas o problema mais grave para o setor agropecuário hoje está no aumento das recuperações judiciais (RJs), afetando toda a cadeia produtiva, segundo avaliação do diretor-executivo de Negócios, Crédito e Produtos do Sicredi, Gustavo Freitas.
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O Sicredi viu o índice de inadimplência dobrar recentemente, mas Freitas pondera que a base era baixa em relação ao mercado e atribui isso ao perfil dos clientes da instituição. “Como 85% do que eu faço é com pequeno e médio [produtor], mesmo tendo um nível de alavancagem, ela é pequena proporcionalmente”, afirmou. O problema, segundo ele, tende a ser mais grave na agricultura de maior porte, onde o nível de exposição financeira é mais elevado.
Segundo Freitas, o aumento no endividamento foi provocado por uma combinação de fatores como perdas de safra, custos mais altos de financiamento, queda nos preços e decisões de investimento baseadas em expectativas otimistas de mercado após “12 anos de ganho e otimismo”.
Em sua análise, o endividamento não é um problema estrutural entre produtores organizados, mas para regiões mais afetadas pelas perdas, como o Rio Grande do Sul, o impacto de fatores climáticos tem sido especialmente duro para produtores que já estavam mais alavancados.
“Se você tiver mais alavancado com uma dívida muito maior, esse choque climático é muito mais doloroso”. Ele destacou ainda que o prazo tradicional de reestruturação de dívidas pode não ser suficiente nestes casos. “Você precisa trabalhar com alguma coisa mais longa, 8, 10 anos”, exemplificou.
Freitas também criticou o uso das recuperações judiciais como solução imediata para crises financeiras no campo. Ele argumenta que, em um ambiente tipicamente comunitário como o agronegócio brasileiro, especialmente no interior, a recuperação judicial rompe com a dinâmica de confiança e apoio mútuo. “Quando ele pede uma RJ, por exemplo, nessa característica, ele acaba tomando uma medida judicial, unilateral, em que a atividade no entorno toda é impactada”, disse.
Gustavo Freitas, diretor-executivo de Negócios, Crédito e Produtos do Sicredi
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Segundo ele, esse tipo de instrumento jurídico é usado de forma cada vez mais comum por produtores rurais, mas a consequência é um efeito em cascata sobre fornecedores, parceiros e demais agentes locais. “O que nos preocupa menos é o impacto direto, mas o impacto na cadeia”, explicou, destacando que há uma aversão crescente ao risco em regiões onde o número de RJs é mais alto.
O diretor mencionou que a decisão por judicializar dívidas afeta inclusive a percepção de risco de produtores com bom histórico. “No próximo crédito que eu vou fazer, tem um produtor que tá lá do meu lado, que eu conheço, tô com ele há 20, 25, 30 anos e mesmo sabendo que ele tem características super ricas, eu vou estar preocupado com a cadeia contaminada”.
A incidência de recuperações judiciais varia regionalmente, sendo menor na metade sul do país. Nessas regiões, os principais desafios continuam ligados às condições climáticas. Já em outras áreas, como o Centro-Oeste, a combinação de alavancagem e choques de preços levou a um aumento mais acentuado no endividamento.
Por fim, Freitas avaliou que o atual momento representa um período natural de ajuste, após uma fase de forte otimismo e expansão. “Tem muito produtor estruturado, muito produtor que sabe a atividade que está. É natural que a gente tenha algum tipo de ajuste agora, como acontece em todos os setores”.