Varlei Gentilini sofreu um acidente de trabalho A rotina na bovinocultura leiteira, atividade pecuária focada na criação de bovinos para a produção de leite, exige dedicação, habilidade e muita força. Mas, para Varlei Cristiano Gentilini, de Iraceminha (SC), os desafios se tornaram ainda maiores após um acidente de trabalho na propriedade rural da família no Oeste de Santa Catarina.
Em agosto de 2023, o catarinense de 24 anos realizava a última tarefa do dia quando um descuido enquanto manuseava o equipamento utilizado para preparar a alimentação do rebanho mudou a sua vida.
Ao invés de desligar a máquina e, na sequência, mexer na silagem, ele optou por deixá-la ligada. O resultado foi a amputação de parte do braço direito.
“Foi um segundo de bobeira. O nosso vagão do desensilador não era misturador, então sempre ficava um pouco de silagem nas laterais. Eu fui pegando confiança e achando que poderia fazer diferente. Fiz algumas vezes com ele desligado e pensei que, como estava girando devagar, poderia colocar a mão. Quando fiz isso, o mexedor arrancou toda a parte do meu antebraço de uma vez só”, relembra.
O processo de recuperação exigiu muitos cuidados, e Varlei deixou o serviço de lado provisoriamente por orientação médica para evitar qualquer risco de infecção. Enquanto observava os pais e o irmão na ordenha das vacas, pensava como poderia ajudá-los quando estivesse liberado.
“A minha vontade era trabalhar assim que retornei do hospital, mas como foi um acidente traumático, tive que cuidar o máximo possível e ficar dentro de casa pela ferida exposta. A partir do momento que tirei os pontos, retornei trocando a desculpa de ‘não consigo fazer isso devido ao braço’ por ‘o que eu posso fazer para conseguir?’. E tudo foi dando certo”.
As dificuldades
A adaptação à rotina, antes tão rápida e tranquila, não foi fácil. Porém, ele estava disposto a aprender tudo novamente e não deixar que a limitação física fosse um empecilho.
Atualmente, quase dois anos após o acidente, ainda não consegue realizar todas as funções, mas confia que a combinação de tempo, criatividade e esforço físico e mental irá superar as dificuldades que ainda tem na ordenha e na vacinação dos 18 bovinos.
“Todas as pessoas encontram alguma adversidade no trabalho do interior. Eu demoro mais, mas faço de tudo. Consigo engatar e desengatar todos os implementos, por exemplo. Em alguns momentos, tenho que usar o coto ou até a boca, mas consigo fazer igual. A maior dificuldade foi, sem dúvida, mais mental do que física. Eu não penso que não consigo fazer, eu digo que, atualmente, não consigo fazer e procuro uma forma de conseguir. Comigo funciona assim”.
A amputação desencadeou um turbilhão de emoções na vida de Varlei. Ao mesmo tempo, em que a vontade de retomar o trabalho na produção leiteira era grande desde o primeiro dia, passou a ter vergonha de sair de casa. “Eu achava que era a única pessoa do mundo que tinha sofrido um acidente assim. Eu não via nada ao meu redor”
A tristeza e a decepção duraram pouco tempo e foram deixadas de lado com a ajuda da internet. Quando resolveu buscar informações para adquirir uma prótese, descobriu depoimentos semelhantes ou até mais sérios que se transformaram em lições para a vida.
“Após ver tantos relatos, eu pensei: ‘Quem sou eu para ficar lamentando se tem pessoas com ainda mais dificuldades?’ O meu pior problema é o braço, mas pode não ser o pior do outro. Muitas pessoas não sabem a dor de perder um braço, mas eu não sei a dor que é perder um filho, ou uma mãe, ou o cabelo, ou uma perna. Cada pessoa sabe da sua dor e tem o seu pior”.
Em pouco tempo, a série de histórias de inúmeros desconhecidos ganhou a companhia de outra – e também muito especial: um catarinense de 24 anos que teve parte do braço amputado em agosto de 2023 e resolveu usar o que seria um problema para apresentar ao mundo que a vida merece muito mais do que apenas lamentações.
“Eu quis mostrar a minha segunda chance. Comecei no TikTok, e foi com vergonha mesmo. Agora estou mostrando também a parte do leite e essa questão de superação”.
Há 1 ano e 2 meses compartilhando a rotina nas redes sociais, Varlei reúne quase 50 mil seguidores que o acompanham e elogiam o esforço não apenas no trabalho com a produção leiteira, mas pela ideia de servir de exemplo a outras pessoas que também passam por dificuldades.
E é esse incentivo, com novas conquistas com os pais e o irmão, que deseja viver no futuro.
“Eu sempre almejo coisas grandes e boas. A ideia é conseguir ter 30 animais produzindo 28 litros de leite por dia para depois fazer o confinamento. Quero continuar investindo na propriedade, trabalhar com a bovinocultura leiteira e conciliar tudo com as redes sociais”, finaliza.