
Na lista de dez produtos beneficiados pela mudança, apenas dois tiveram recuo em preços em abril e maio: azeite de oliva e outros tipos de açúcares da cana (como refinado e cristal) A ação do governo federal, em março, de zerar a alíquota do imposto de importação de certos alimentos para aumentar as compras do exterior, e com isso, reduzir preços, não conseguiu mostrar resultados consistentes até o momento. Os dados fazem parte de levantamento feito, a pedido do Valor , pela área econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
Na lista de dez produtos beneficiados pela mudança, apenas dois tiveram crescimento nos envios em abril e maio e com recuo em preços: azeite de oliva e outros tipos de açúcares da cana (como refinado e cristal), em comparação com o mês imediatamente anterior.
Os dados sobre valores importados foram cruzados com variação de preços das mercadorias, com base na nomenclatura dos produtos informada na publicação da medida, em “Diário Oficial”.
Embora a isenção tenha sido anunciada para beneficiar as classes de menor renda, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mencionou dias antes do anúncio, o azeite teve o maior recuo de preço, medido pelo IPCA do IBGE — 1,5% em abril e 2,78% em maio. Mas trata-se de um item de consumo mais restrito por conta do custo (a embalagem de meio litro é vendida hoje por mais de R$ 30). O açúcar, também com aumento nas importações após março, teve recuo de 0,3% em abril, e de 0,2% em maio.
Segundo o levantamento, em abril, os dez itens tiveram alta de 4,2% na importação frente ao mês anterior, para US$ 105,3 bilhões, mas em maio, o recuo foi de 22,8% versus abril, para US$ 81 bilhões. No mesmo intervalo, o dólar médio mensal desvalorizou-se em cerca de 2%.
Ao se considerar o bimestre de abril e maio de 2025 versus o mesmo período do ano anterior houve diminuição de 7,7% nos envios ao país, para US$ 186,7 bilhões importados — a moeda americana valorizou-se em cerca de 11% nos 12 meses, pressionando mais os preços acumulados.
De sardinha à biscoito
Três meses atrás, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, ao lado de outros ministros, divulgou uma lista com dez produtos que passariam a ter tarifas de importação zeradas após 14 de março. Ainda estiveram no evento Carlos Fávaro (Agricultura), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), Rui Costa (Casa Civil) e Sidônio Palmeira (Secretaria de Comunicação Social).
Na lista com alíquota zero estavam carnes, sardinha, café torrado, café em grão, azeite de oliva, outros açúcares (não oriundos da cana), óleo de girassol, milho, massas e biscoitos. O imposto de importação variava de 7,2% a 32%, a depender do item.
Neste grupo analisado pela CNC não está o óleo de palma, que já tinha isenção, e houve aumento no limite — de 90 mil para 150 mil toneladas.
O economista da CNC Fabio Bentes acredita que é possível concluir que, até o momento, a isenção não surtiu o efeito desejado de forma mais direta no preço. “Buscamos correlação e não causalidade na análise, por isso, estendeu-se o período de captura dos dados e ainda cruzamos com preços praticados”, diz ele.
“Podemos dizer, com boa dose de segurança, que não houve efeito durante esses últimos meses. Há uma série de variáveis em paralelo, como o impacto pequeno dos produtos selecionados no índice geral da inflação, e o fato de que outros países também estarem sentindo, muitas vezes, a mesma pressão inflacionária”, afirma.
Após março, a inflação dos alimentos consumidos em casa, medida pelo IPCA, chegou a perder força — de 0,83% em abril para 0,02% em maio — mas por conta do recuo da inflação numa cesta de itens que não incluía os produtos isentos após março.
A trégua em maio, segundo o IBGE, refletiu a redução do tomate, do arroz, do ovo e das frutas.
Já as carnes desossadas, com alíquota zero, subiram 0,97%; a sardinha, 0,84%; e as massas, 059%, mas o milho avançou menos, 0,21%.
No fim do mês passado, o ministério da Agricultura celebrou a desaceleração nos preços após abril, atribuindo o movimento às medidas tomadas neste ano. O governo anunciou, além da redução na alíquota de importação, o aumento de estoques reguladores, e ações de estímulo para produtos da cesta básica no Plano Safra.
MDIC responde
Procurado para comentar, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) disse que o aumento ou recuo de importações dos 11 produtos (incluindo óleo de palma) obedecem às “dinâmicas de mercado”.
Reforça que a redução nas alíquotas foi adotada para contribuir na queda de preços, provocada principalmente por questões climáticas. Afirma que foi uma ação de caráter conjuntural, e que surtiu efeitos. Em abril, o Mdic relata que houve aumento de 32% nas importações em relação a fevereiro, último mês antes da medida.
Os dados obtidos pelo Valor mostram essa alta. O mês de fevereiro, mencionado pelo Mdic, apresentou o mais baixo nível de importação até o momento. Fevereiro de 2024 também foi o mês mais fraco daquele ano.
“Com a melhoria das condições adversas, muitos preços começaram a recuar e, considerando ainda a alta competitividade brasileira em diversos desses produtos, o mercado não teve necessidade de usar o mecanismo integralmente”, disse na nota.
Estratégia das varejistas
O Valor contatou duas redes de atacarejo e uma distribuidora de alimentos, negócios que são responsáveis pelos pedidos de importação, e os executivos afirmam que não aumentaram as encomendas ao exterior após março.
“Não é só uma questão de tarifa, mas de condições para importar, de ‘timing’”, afirma o presidente de uma rede atacadista, que importa basicamente itens de bazar.
“Houve um aumento no custo logístico e de frete no país nos últimos 12 meses. E já tivemos uma greve no Porto de Santos em maio [dos auditores fiscais]. Quando as mercadorias param lá, a gente não sabe quando saem. Eu vou importar correndo esse risco? E com a hipótese de o frete tornar o produto mais caro do que aquele que já vendo aqui?”, disse esse executivo.
A indústria alimentícia, assim os supermercados, participaram das reuniões com o Alckmin antes do anúncio da isenção. Procurada, a Abia, associação da indústria de alimentos, não comentou o recuo nas importações no bimestre e em maio. Porém, celebrou a decisão do governo de elevar a isenção na importação do óleo de palma.
Em nota, a associação disse que o setor já consumiu 85% do teto da isenção (150 mil toneladas), e que isso pode reduzir pressões sobre os custos de produção de pães, bolos, biscoitos, margarinas e outros itens. A Abras, a associação nacional dos supermercados, não se manifestou.
Concorrência e efeitos globais
Um distribuidor de alimentos industrializados de São Paulo ouvido disse que alguns dos produtos da lista já têm produção competitiva no país, com diversas marcas regionais, como em massas e biscoitos, o que não justificaria a importação.
Pesquisa da Abras mostra a presença de 31 marcas de bolachas no país no ano passado, e em café, são 18 marcas. No açúcar eram 16, e no óleo, 8.
Apesar disso, as lojas não oferecem todas as marcas disponíveis, mas isso indica que pode existir espaço para buscar oportunidades no mercado doméstico quando o preço sobe, afirma esse distribuidor.
Declarações recentes de fabricantes estrangeiros mostram um cenário complexo para se conseguir driblar as altas de preços pelo mundo. Entre esses impactos estão crises climáticas e fortalecimento da moeda americana em diversos mercados, que eleva os preços.
Em abril, o executivo Srinivas Phatak, diretor financeiro interino da Unilever, com operação em cerca de 190 países, disse a analistas que os preços continuavam a subir sequencialmente no mundo por causa dos aumentos nas commodities.
O presidente do grupo, Fernando Fernandez, afirmou, na mesma teleconferência, que houve desaceleração nas vendas de janeiro a março na América Latina, onde Brasil é mais da metade das vendas da empresa, e que a economia brasileira, que crescia 3,5% em 2024, estava crescendo 2% em abril.
Entre as mercadorias com isenção de imposto, o levantamento da CNC mostra, entre os destaques positivos, o café não torrado em grãos. Houve crescimento nos envios pela primeira vez no ano, em abril, apesar da queda em maio. Além dele, o óleo de girassol registrou, em maio, alta de quase 500% nos envios frente a abril.
Mas as carnes desossadas não foram tão bem. Embora as importações das carnes tenham acelerado em 23% em maio, após queda de 18% em abril, o desempenho mensal depois da tarifa zero ficou abaixo de janeiro e fevereiro.
Quanto aos preços, pelo IPCA, as carnes estavam com valores estáveis em abril frente a março, e subiram quase 1% em maio.
Efeito nas classes baixas
A intenção da medida, segundo disse o presidente Lula, uma semana antes do seu anúncio, era reduzir o preço da cesta básica, voltada principalmente para a população com menor renda.
“Café, ovo, milho estão muito caros e estamos tentando encontrar uma solução, queremos solução pacífica, e se não encontrarmos, tomaremos uma atitude mais drástica porque o que interessa é levar comida barata para a mesa do povo brasileiro”, disse Lula, em evento.
O debate de medidas ocorreu num momento de forte pressão sobre o governo, pela escalada da inflação alimentar, com efeito direto na queda dos níveis de popularidade de Lula. Isso levou o presidente a cobrar dos ministros medidas urgentes que trouxessem algum resultado.
Durante a divulgação da tarifa zero, houve um apelo do vice-presidente e ministro, Geraldo Alckmin, para que Estados zerassem o ICMS sobre esses alimentos, para ajudar na medida de importação mais barata.
Só que mais da metade dos Estados informou, na época, que já isentava ou havia reduzido o imposto na cesta básica, logo, não haveria impacto. Em São Paulo, isso já é zerado desde 2023, e no Rio de Janeiro, a taxa é reduzida.