
Para representantes do setor, é preciso mostrar exemplos concretos e mensuráveis de sustentabilidade em prática nas fazendas e lavouras Enquanto as atenções se voltam para a COP30, que será realizada em novembro em Belém (PA), representantes do agro brasileiro já têm uma proposta clara sobre o que o país deve apresentar no maior palco ambiental do mundo: exemplos concretos e mensuráveis de sustentabilidade que já estão em prática nas fazendas e lavouras. Essa foi a principal mensagem do painel “Escolas de boas práticas: com a palavra, os produtores”, realizado no evento Fórum Futuro do Agro, promovido pela Globo Rural e Valor Econômico nesta quarta-feira (18/6), em São Paulo.
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“Temos que mostrar o que temos de bom. No exterior não sabem, por concorrência ou por ignorância mesmo. E muitas vezes quem mais atrapalha nosso setor é o próprio setor”, afirmou Eduardo Cerri, professor titular do Departamento de Ciência do Solo da Esalq/USP e veterano em edições da COP. “Há uma oportunidade real de mostrar que soluções baseadas na natureza são possíveis e já estão sendo implementadas com sucesso no Brasil.”
Entre essas soluções está o trabalho desenvolvido pelo Grupo Roncador, liderado por Pelerson Penido Dalla Vechia. Há mais de duas décadas, a fazenda implementa um sistema de produção regenerativo, com integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), adubação orgânica e uso de bioinsumos produzidos na própria propriedade. “A fazenda é um organismo vivo. Produzimos o que queremos consumir e tentamos deixar o planeta melhor do que encontramos”, disse Pelerson.
Ele contou que o ponto de partida foi a degradação do solo causada por práticas antigas na pecuária. “O problema era a relação entre a taxa de crescimento do capim e a taxa de lotação do gado. Tínhamos um rebanho que demandava muito, mas com uma oferta de pasto inadequada”, explicou.
A solução foi integrar culturas, investir em manejo e medir resultados. Hoje, são 70 mil cabeças de gado em 9 mil hectares nas águas e, durante a seca, o rebanho é redistribuído com cuidado. A fazenda planta soja e, em seguida, milho consorciado com capim, mantendo o solo sempre coberto e produtivo.
Além dos benefícios agronômicos, como a fixação biológica de nitrogênio pela soja, o sistema reduziu drasticamente o uso de agroquímicos. “Conseguimos uma redução de 81% no uso de ingrediente ativo por hectare. Produzimos nossa própria calda biológica com microorganismos e transformamos esterco em adubo valioso. O esterco virou ouro”, disse, arrancando risos da plateia.
Cerri reforçou que o que a Roncador faz não é utopia. “É possível replicar, com maior ou menor grau de dificuldade. Temos 33 milhões de hectares com plantio direto no Brasil, talvez nem todos perfeitos, mas isso representa um potencial de sequestro de até 15 milhões de toneladas de carbono ao ano. E com ILPF, essa taxa pode dobrar. Temos que migrar para um balanço de carbono que inclua o que se sequestra, não apenas o que se emite.”
Segundo ele, metade das pastagens brasileiras tem algum grau de degradação. “Se conseguirmos recuperar essas áreas, poderíamos sequestrar 0,5 tonelada de carbono por hectare ao ano. E o detalhe é que os modelos internacionais não refletem nossa realidade. O mercado regulado mede 30 cm de profundidade no solo. Nós, na agricultura tropical, podemos medir até 1 metro — e sequestrar muito mais. Já publicamos isso em revistas científicas, mas ainda é preciso criar mais métricas, desenvolver índices específicos.”
Soja acima do Equador
Outro exemplo prático veio do Maranhão, com Gisela Introvini, produtora rural e superintendente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte (Fapcen). Ela liderou, no início dos anos 2000, um projeto para viabilizar a produção de soja acima da linha do Equador, com apoio da Embrapa. “Na época, a sustentabilidade era desbravar improdutivas e torná-las férteis para enriquecer regiões muito pobres.”
Segundo Gisela, hoje 50% da soja produzida no Maranhão e no Piauí é certificada internacionalmente, com práticas como desmate zero, plantio direto e gestão profissionalizada. “A certificação virou mais que um selo. Virou um modelo de gestão dentro da porteira. Muitos produtores nem estão mais preocupados com o valor extra que ela pode agregar, mas sim com a produtividade que ela traz”, afirmou.
Além dos ganhos ambientais, a certificação e o profissionalismo levaram impactos sociais às comunidades rurais isoladas. “O governo sozinho não consegue diminuir as desigualdades. Exigimos dos produtores cursos, treinamentos, apoio a escolas. Levamos dias de campo para universitários, comerciantes, profissionais de saúde. A última ação foi com a comunidade indígena Guajajara, ensinando a melhorar a produtividade da mandioca e do feijão-caupi.”
Indústria como agente sustentável
Fábio Dias, líder de pecuária sustentável da JBS, destacou o papel da indústria no fomento das boas práticas. A empresa compra de 30 mil fazendas e mantém programas de assistência técnica, empreendedorismo e gestão. “O desafio é encontrar o exemplo a ser replicado. Não somos donos da verdade, mas podemos promover os melhores casos — como o da Roncador. Fazer com que sejam vistos, replicados, conhecidos.”
Ele apontou ainda que boas práticas são vantajosas do ponto de vista econômico. “Ser sustentável é ser eficiente. Sai mais barato, mantém a empresa no mercado e garante a produção para as próximas gerações. O resultado está do lado do custo, não apenas da receita.”
Longo caminho para o carbono
Sobre o mercado de carbono, Dias foi direto: “A transformação do carbono em uma commodity, como a soja, ainda tem um longo caminho. Mas o conceito de balanço neutro ou negativo já começa a influenciar a gestão das propriedades. Quando houver um mercado mais estável, poderá ser uma nova forma de financiamento.”
Ao fim do painel, os participantes foram unânimes em defender que a COP30 precisa apresentar esse lado do Brasil: o que já está sendo feito com base em ciência, medição e compromisso real. “Crises climáticas serão cada vez mais frequentes. E em anos de crise, quem tem resiliência mostra resultados muito melhores”, disse Cerri.
Para Gisela, a mensagem é clara: “Precisamos promover segurança alimentar com preservação. O mundo está acabando — e está mais perto do que parece. Temos que mostrar o profissionalismo do nosso campo, controlar o desmatamento e os incêndios.”
Dias concluiu com uma visão estratégica: “Temos um modelo tropical de produção muito eficiente, mas ainda pouco conhecido. Nosso crescimento como grande player no agro não veio da devastação, e sim da eficiência. A COP é uma oportunidade de mostrar isso.”