
Para especialistas, setor agropecuário deve conectar melhor os elos da cadeia agroenergética As discussões sobre uma suposta dicotomia entre produção agrícola para alimentos e para produção energética permanecem nos dias atuais. No Brasil, o governo decidiu postergar o aumento da mistura de biodiesel no diesel de 14% para 15% devido à argumentação de que a demanda por óleo de soja para o biocombustível estaria encarecendo os preços do óleo para alimentação no varejo. Na Europa, produtores discutem se vão dedicar a área plantada para produção agrícola para alimentos ou para biocombustíveis, considerando que não têm área disponível para ampliar o plantio.
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Para Camilo Adas, diretor de transição energética da Be8, todas as discussões estão equivocadas, por causa da falta de informação. “No caso do biodiesel de soja. Da produção de soja se extrai um quinto de óleo e quatro quintos de farelo, que vão para produção de ração animal. Do óleo, só uma parcela pequena vai para biodiesel. Não existe ‘ou’, quando produzo biocombustível e alimento”, afirmou Adas.
O executivo participou do painel “Transição energética e segurança alimentar: como conectar os elos e engajar as pequenas propriedades”, realizado durante o Fórum Futuro do Agro, promovido pela Globo Rural e Valor Econômico nesta terça-feira (18/6), em São Paulo.
Na avaliação do executivo, o Brasil já poderia antecipar a mistura de 30% e biodiesel no diesel, porque tem capacidade produtiva para isso, mas falta uma mudança de mentalidade para deixar de considerar a produção energética uma concorrente da produção alimentar.
Superado esse paradigma, o desafio do setor agropecuário é conectar melhor os elos da cadeia de produção agroenergética. Para isso, é preciso observar que cada fonte de energia possui uma rota específica, seja biocombustível para frota marítima, para aviação, ou veículos terrestres.
“Cada um vai ter um caminho e é preciso criar uma cadeia do campo ao tanque. E cada tipo de modal tem uma regulação específica. O desafio é articular a cadeia entre o produtor de semente, o processador de grãos, até chegar à empresa consumidora”, afirmou Arián Krakov, especialista em agronegócios da Bain & Company.
Dificuldade no Rio Grande do Sul
Roges Pagnussat, presidente da Associação das Empresas Cerealistas do Estado do Rio Grande do Sul (Acergs), disse que no Rio Grande do Sul, os elos da cadeia agroenergética já estão conectados, com produção forte de soja e de proteína animal e indústrias de biocombustíveis instaladas nos últimos anos.
Apesar disso, o Estado enfrenta dificuldades, por conta de cinco quebras de safra consecutivas, devido a secas e enchentes. “Hoje o Estado está debaixo d’água novamente. Mas somos resilientes”, afirmou Pagnussat.
O executivo acrescentou que uma das dificuldades que o Estado enfrenta é o acesso a crédito e ao seguro rural. “Hoje o que nos limita para dar um segundo passo de produzir alimento e energia é a questão do crédito e o acesso ao sistema financeiro”, disse Pagnussat.
Para Victor Barra, diretor de agronegócios da Acelen Renováveis, o Brasil possui uma condição agrícola extremamente eficiente e sustentável. Ele observou que 70% da preservação ambiental no Brasil é feita pelo agronegócio. “A gente tem que ter um discurso e uma visão em uníssono para apresentar ao mundo na COP 30”, defendeu o executivo.
Pagnussat defendeu unidade no discurso do Brasil na COP 30, validando as boas práticas agrícolas adotadas nas fazendas e defendendo o uso do biodiesel como alternativa ao combustível fóssil. “Temos que ter o entendimento que usar um combustível que movimenta uma cadeia industrial sustentável vai refletir como benefícios para o produtor e para a sociedade”, disse o executivo. Adas observou que a cadeia do biodiesel entrega 13 vezes mais riqueza em termos de Produto Interno Bruto (PIB) do que a cadeia do combustível fóssil.
Biochar, macaúba e trigo
Barra também considerou que o uso do biochar contribui de forma significativa para a melhoria da produtividade no campo nesta fase de transição energética. “A inclusão do biochar dá um ganho de produtividade e torna a agricultura ainda mais sustentável. A gente considera essa rota na Acelen, com o uso do biochar na produção de macaúba, para melhorar a composição de solo”, disse Barra.
O executivo disse que a Acelen vai cultivar macaúba apenas em áreas de pastagem degradadas. E vai plantar leguminosas de cobertura para ajudar na preservação do solo.
Pagnussat disse que no Rio Grande do Sul os planos de investimento em biocombustível passam por investimentos na produção de etanol de trigo. Ele disse que o Estado é um grande consumidor de milho para a produção de proteína animal e chega a importar milho para se abastecer. Por isso, não seria eficaz produzir etanol de milho. Mas com a instalação de indústrias de etanol de trigo os produtores podem dar melhor destino à produção de inverno do cereal.
Cooperação
Os executivos defenderam a união dos pequenos produtores e dos agricultores familiares em torno de cooperativas, como alternativa para melhorar os custos produtivos e fazer transferência de informações e tecnologia para a adoção de mais práticas sustentáveis de produção.