
Enviado da conferência para a sociedade civil avalia que evento em Belém será um momento para o país divulgar suas boas práticas e “dar o exemplo” Em 2025, o Brasil assumirá uma maiores responsabilidades ambientais e diplomáticas do planeta, ao sediar, em novembro, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que ocorrerá em Belém, no Pará, no coração da Amazônia. A edição brasileira da COP carrega um peso simbólico e prático: ela é uma oportunidade histórica para colocar o maior bioma tropical do mundo no centro do debate climático global e, ao mesmo tempo, apresentar caminhos para o desenvolvimento sustentável que integre conservação ambiental, agronegócio e justiça social.
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Em uma das frentes dessa missão estratégica está André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e enviado especial da presidência da COP30 para a sociedade civil. Em conversa com a Globo Rural, Guimarães detalhou os desafios e as expectativas para o evento, o papel do agronegócio na agenda climática, as parcerias necessárias para que o Brasil e o mundo consigam avançar na proteção das florestas e a importância de ampliar a participação dos diversos setores sociais nas decisões que definirão o futuro do planeta. A seguir, a entrevista.
Globo Rural – Como você recebeu o convite para ser enviado especial da sociedade civil na COP30?
André Guimarães – Foi uma honra receber o convite do embaixador André Corrêa do Lago e da diretora-executiva da COP30, Ana Toni, e também um desafio muito grande. Nunca houve algo assim em outras edições da conferência. O convite mostra a intenção clara da presidência da COP em ouvir os mais diferentes setores da economia e da sociedade civil, incluindo organizações não governamentais, representantes do agronegócio, povos indígenas, empresas e também cidadãos comuns. Meu papel é escutar pessoas, conhecer as prioridades e os riscos e levar essas informações à presidência da COP. E, da mesma forma, trazer para a sociedade informações que foram discutidas no âmbito da presidência.
GR – A realização da COP30 em Belém tem grande simbolismo. Que mensagem o Brasil pretende passar ao sediar o evento no coração da Amazônia?
Guimarães – Embora a conferência seja um evento global, o fato de ocorrer em Belém permite colocar as florestas tropicais no centro do debate climático. A Amazônia é uma das maiores reservas de carbono do planeta—um único quilômetro quadrado pode estocar até 300 toneladas de carbono. A floresta abriga o equivalente a cerca de dez anos das emissões globais. Isso faz dela peça-chave para a estabilidade do clima no mundo. Trazer negociadores, chefes de Estado, empresários e cientistas para o coração da Amazônia torna possível uma imersão na realidade da região. Isso enriquece a negociação com dados técnicos e desafios humanos, além de ter profundo simbolismo.
GR – Qual o papel do agronegócio na agenda climática?
Guimarães – O agronegócio e a conservação das florestas são interdependentes. Cerca de 90% da agricultura brasileira não é irrigada. Com isso, ela depende diretamente da regularidade das chuvas, que, por sua vez, está ligada à presença de florestas, cerrado e outras vegetações nativas. Ao mesmo tempo, a conversão de terras para agricultura e outras atividades é um dos maiores emissores de carbono do planeta, ao lado dos combustíveis fósseis. Esses são imbatíveis, com 70%da culpa das emissões e do aquecimento global. Mas uma parcela grande também está na conversão de florestas para a produção. Há uma simbiose entre a conservação de vegetação nativa e a produção agrícola, não só no Brasil, mas em todas as áreas com florestas tropicais, como na Indonésia, na África subsaariana e na Tailândia. O combate ao desmatamento é essencial não só para preservar a biodiversidade, mas para ampliar a produtividade agrícola.
GR – No caso do Brasil, os maiores emissores de gases de efeito estufa também são os combustíveis ou é o agronegócio, dada a grande dimensão do setor?
Guimarães – Cerca de 50% das emissões brasileiras vêm do desmatamento, e 90%desse desmatamento é ilegal. Ou seja, estamos falando de crime ambiental. Em seguida, vem o setor agropecuário, com cerca de 25%, e os outros 25% estão divididos entre indústria, transportes, construção civil e outros. Ou seja, o grosso das emissões do país vem do uso da terra de alguma forma.
“A floresta abriga o equivalente a dez anos das emissões no mundo. Isso faz dela peça-chave para a estabilidade do clima global.
GR – Por que as florestas são essenciais para a humanidade conseguir alcançar a meta prevista no Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 1,5°C até o fim do século?
Guimarães – As florestas tropicais são enormes reservatórios de carbono. Elas estocam grandes volumes, que, se liberados por meio da destruição ou degradação, aceleram o aquecimento global. Proteger as florestas é uma das ações mais efetivas para reduzir as emissões. Além disso, as florestas regulam o ciclo da água e o clima regional, condições indispensáveis para a segurança alimentar no mundo.
GR – Você acha possível a produção agrícola continuar crescendo sem a abertura de novas áreas para cultivo?
Guimarães – Não só é possível como imperativo. O Brasil tem um enorme passivo de áreas já abertas e subutilizadas. Na pecuária, por exemplo, ainda operamos com uma média de apenas um animal por hectare. Com técnicas simples, como rotação de pastagens, correção e adubação do solo, manejo adequado, a produtividade pode ser multiplicada por dois, três ou até quatro. Além disso, temos tecnologias como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que permite conciliar, em uma mesma área, produção de grãos, criação de animais, floresta e até extração de madeira. Esse modelo reduz emissões, melhora a eficiência e alivia a pressão sobre florestas. Portanto, sim, é plenamente viável atender mais consumidores, inclusive internacionais, sem que seja necessário desmatar um hectare sequer.
GR – Você vê disposição do setor agropecuário em dialogar, na COP, sobre desmatamento e uso da terra?
Guimarães – Sim. Apesar de desafios, há um reconhecimento crescente da importância do diálogo e da responsabilidade socioambiental. Muitas empresas do agronegócio estão alinhadas com metas de sustentabilidade e querem participar da construção de soluções que contemplem a produção e a conservação. Entretanto, é natural que tenhamos opiniões e visões diferentes. Estamos em um período de transição da história da humanidade. Quem tem visão mais antiga continua a defender a expansão da fronteira. E eles tiveram sua razão no passado. Em 50 anos, deixamos de ser de um país importador de alimentos para nos tornarmos um grande exportador. Isso aconteceu às custas de 50%do Cerrado e de 20%da Amazônia. Mas o modelo que nos trouxe até aqui não pode continuar, porque ele traria um colapso do sistema hídrico. Agora, há empresários e produtores que foram convencidos de que é o momento de mudar. É natural ter as duas visões hoje. Ao longo do tempo, espero que a parcela que já foi convencida e está investindo em ambiente natural e produção cresça.
GR – Essa transição para produção de baixo carbono precisa de mais recursos financeiros ou de regulamentação?
Guimarães – Para acelerar o processo, os países, as empresas e os setores econômicos precisam colaborar, todos na mesma direção. Hoje, temos rotas conflitantes, com abertura de poços de petróleo e, ao mesmo tempo, o país sendo o que mais investe em energia alternativa e também biocombustíveis. A economia mundial está pouco a pouco se adaptando. Precisamos ter decisões normativas e leis que punam quem não está alinhado à visão mais contemporânea e dê incentivos econômicos para os produtores que estão do lado da solução.
André Guimarães, diretor-executivo do Ipam
Ipam/Divulgação
GR – Por falar em legislação, o Senado aprovou o projeto de lei do licenciamento ambiental. O que muda com isso?
Guimarães – Esse PL do licenciamento é um erro. É tão simples quanto isso. Ele pode aumentar o desmatamento, aumentar os riscos de acidente em empreendimentos e levar o Brasil a andar na contramão de tudo que está sendo preconizado no planeta. Isso não quer dizer que não precisamos revisar os processos de licenciamento. Precisamos torná-lo mais ágil, transparente, menos burocrático. Mas isso deve ocorrer com responsabilidade, ouvindo técnicos, a sociedade e o setor produtivo.
GR – Quais os principais desafios do Brasil para o país manter o desmatamento sob controle?
Guimarães – A prioridade para o Brasil é combater o crime, já que é ele quem causa o desmatamento. Mas também há a necessidade de melhorar o sistema agropecuário, e isso pode ser feito com pouco investimento. A agricultura já tem um grau de agregação alto, mas a pecuária tem muito a melhorar. Sem muita complicação, só com adubação do pasto, cercamento, um pouco de treinamento para quem trabalha, é possível multiplicar o número de animais por área. Pecuária intensiva é uma solução, outra seria a ILPF, ou até o semiconfinamento. Há várias maneiras de fazer com que nossa pecuária fique mais eficiente.
GR – Como você vê a maturidade dos incentivos financeiros para a transição para a economia de baixo carbono?
Guimarães – Os créditos de carbono são uma ferramenta importante para financiar a conservação, mas precisam ser implementados com respeito aos direitos territoriais, culturais e econômicos das populações tradicionais. E temos que lembrar que o Brasil foi pioneiro em criar políticas públicas e recursos para incentivar o agro. No passado, o Plano Safra foi um instrumento que permitiu ao setor crescer, financiando a expansão da fronteira agrícola. Agora, ele precisa se adaptar e financiar a integração da agricultura, com uso de ILPF, por exemplo. A boa notícia é que temos arcabouço de políticas públicas no Brasil; a má notícia é que ele está desatualizado. Nossos compradores são parceiros também. E eles têm interesse em nos ajudar para que os custos não aumentem. Não é justo que apenas os países produtores arquem com os custos de adaptar a produção à nova visão climática.
GR – Que expectativas você tem para os resultados concretos da COP30?
Guimarães – A COP30 tem vários marcos emblemáticos. Ela acontecerá dez anos após o Acordo de Paris, em um momento de cada país revisar suas metas. Vários já apresentaram metas, outros têm que apresentá-las às vésperas do evento. O aumento das ambições é a grande expectativa. Em segundo lugar, não dá mais para esperarmos a curva de emissões se inclinar para baixo. Ela ainda está subindo. Há várias explicações para esse aumento, mas a COP30 precisa apresentar um caminho para a redução. O Brasil não tem que impor nada, mas precisa dar exemplo. Temos que propor caminhos para sistemas alimentares mais sustentáveis. A forma que produzimos hoje, com mais áreas sendo incorporadas ao sistema, precisa mudar. Minha expectativa é enxergar luz no fim do túnel.