
Levantamento da Trase mostra que, em 2022, mais de 50 mil hectares de soja foram cultivados no bioma em áreas desmatadas nos cinco anos anteriores A produção de soja está avançando sobre a Mata Atlântica, o bioma mais devastado do país. Um levantamento da plataforma de transparência Trase e da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que, em 2022, mais de 50 mil hectares de soja foram cultivados em áreas que foram desmatadas nos cinco anos anteriores. É o dobro do período anterior.
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O desmatamento para o cultivo de soja na Mata Atlântica acontece principalmente em áreas de fronteira agrícola do Rio Grande do Sul e do Paraná.
“O desmatamento na Mata Atlântica devia ser marginal e próximo de zero. Esse é o único bioma que tem uma lei específica — a lei da Mata Atlântica—, que não é uma lei de desmatamento zero, mas torna o desmatamento do bioma uma situação excepcional para situações de comprovada utilidade pública e interesse social”, menciona Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.
“Em plena década de 2020 temos soja produzida na Mata Atlântica em áreas desmatadas recentemente”, alerta o agrônomo. Para Guedes, “embora seja um número pequeno, é uma notícia relevante”
A análise anterior das duas organizações sociais indicava que, entre 2015 e 2019, uma área de 22 mil hectares desmatados na Mata Atlântica foram utilizados para o cultivo de soja.
O estudo atual mostra que 21% de toda a soja comercializada pelo Brasil em 2022 teve origem na Mata Atlântica, ou mais de 25 milhões de toneladas. Desse volume, 36% foram exportados para a China. O mesmo percentual ficou no mercado doméstico e os outros 28% foram para a Coreia do Sul, o Irã e o Vietnã.
Pelo cruzamento de dados feito pela Trase, cinco grandes tradings são mais expostas ao desmatamento nas suas cadeiras de suprimento de soja na região. “Buscamos trazer mais sustentabilidade para o comércio internacional de commodities, com base em transparência e dados”, diz Paula Bernasconi, líder de engajamento na América do Sul da Trase.
O mapeamento da cadeia realizado pela organização, explica ela, parte do município brasileiro para atingir a outra ponta, o país de destino da commodity, passando por dados coletados nos portos, nas empresas que estão exportando e nas que estão importando. Não chega, contudo, a detectar a responsabilidade de cada fazenda.
“A dinâmica que notamos é de pequenos e médios desmatamentos que estão comendo a mata pelas bordas”, explica Guedes Pinto. “Não se trata de abertura de áreas novas, a soja já estava lá. Mas a cada ano vão comendo mais um pedaço de Mata Atlântica para aumentar a área cultivada”, esclarece.
Mais da metade da produção agropecuária brasileira, em volume, está na Mata Atlântica. “Historicamente é o bioma que alimenta o Brasil. A agricultura neste bioma ainda é muito relevante”, diz o agrônomo. “É muita soja que é produzida na Mata Atlântica, e isso não só nas regiões puramente agrícolas de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, regiões de produção de grãos importantes na rotação de cultura com a cana-de-açúcar”, segue ele.
O objetivo do novo estudo é dar visibilidade ao fato de que a soja não está só no Cerrado e na Amazônia. “Um quinto da soja produzida no Brasil está na Mata Atlântica”, diz Guedes Pinto. Dados do MapBiomas Alerta mostram que mais de 90% do desmatamento na Mata Atlântica no período têm indícios de ilegalidade. “Se é legal ou ilegal, a gente não confere. Mas o mundo e o Brasil falam da Moratória da Soja. Temos soja sem desmatamento na Amazônia, soja sem desmatamento no Cerrado, e na Mata Atlântica vamos discutir se é legal ou ilegal? É obsceno ter soja com desmatamento na Mata Atlântica no século XXI”.
A Mata Atlântica, ressalta ele, é o bioma brasileiro onde menos sobrou floresta nativa, além de ser o bioma que tem mais espécies ameaçadas de extinção, onde as crises hídricas acontecem com mais frequência por falta de floresta e também “onde população e a economia vivem risco de colapso por conta das questões ambientais”, afirma.