
Estudos apontam vantagens do uso da planta na produção de bioplásticos, carvão vegetal e biochar O bambu, matéria-prima de muitas peças de artesanato, está se tornando protagonista de soluções sustentáveis, industriais e alimentares. No Brasil, a planta ganha espaço entre produtores rurais, indústrias e consumidores, que buscam alternativas ecológicas e lucrativas.
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Na lavoura, oferece benefícios ambientais como a regeneração do solo, combate à erosão e captura de carbono, além de se destacar positivamente no cultivo de agroflorestas, para integração lavoura-pecuária floresta. Após a colheita, tem sido usado para produção de biochar e bioplásticos, substitui o eucalipto na geração de energia, é aproveitado na indústria têxtil e na gastronomia.
O país ainda engatinha na exploração do recurso, mas tem potencial comparável aos principais produtores mundiais, como China e Índia, em função do clima e da vegetação nativa. Segundo estudo da Future Market Insights, entre 2024 e 2034 o Brasil tem potencial de crescimento de 8,6% ao ano.
Hoje, o país tem cerca de 5,26 milhões de hectares de bambuzais, entre nativos e plantados. O Acre lidera a produção nacional, mas outros Estados já apostam no negócio.
No Maranhão, a produção é voltada para biomassa e geração de energia para o setor industrial. Já na Paraíba e Pernambuco, o bambu é voltado principalmente para a produção de papel e celulose. Em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Paraná, os cultivos têm como foco a produção de itens de maior valor agregado, como painéis para construção civil, brotos comestíveis, fitocosméticos, indústria têxtil e embalagens, segundo o estudo.
“Do ponto de vista sustentável, as perspectivas de crescimento do plantio e consumo de bambu no Brasil são promissoras”, afirma Hans Jürgen Kleine, presidente da Associação Catarinense de Bambu. De acordo com o dirigente, um número crescente de estudos tem apontado a eficácia de sua aplicabilidade em diversas áreas enquanto, para o produtor, trata-se de uma fonte renovável de recursos. “Um pé de bambu se renova durante até 30 anos, ou seja, após a colheita, não é necessário que haja novo plantio. E as plantas rebrotam em curto espaço de tempo”, destaca Kleine.
Além de crescer rapidamente, chama atenção o fato de o bambu absorver grandes quantidade de carbono da atmosfera, sequestrando entre 12 e 17 toneladas de carbono por hectare por ano, e precisar de menos água em comparação com outras culturas, como a madeira tradicional, segundo dados da Inbar (Organização Internacional de Bambu e Rattan).
Estudo realizado pela Embrapa Acre destaca confirma a viabilidade e o potencial do bambu como recurso renovável, capaz de promover um desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo. “As espécies de Guadua (gênero científico do bambu) demonstram características que não apenas favorecem a produção de bioplásticos, biochar e carvão, mas também contribuem para a mitigação de problemas ambientais as mudanças climáticas”, afirma Márcio Muniz Albano Bayma, pesquisador da Embrapa Acre e doutor em biodiversidade e biotecnologia.
Além de crescer rapidamente, chama atenção o fato de o bambu absorver grandes quantidade de carbono da atmosfera
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Carvão Vegetal
O carvão de bambu tem ganhado destaque como uma alternativa sustentável e eficiente em diversas aplicações, desde a purificação de água até o uso como combustível. O bambu, uma planta de crescimento rápido e renovável, quando carbonizado, resulta em um material com propriedades adsorventes e de alta porosidade, tornando-o eficaz na remoção de poluentes e toxinas.
“Estudos demonstram que o carvão de bambu pode ser utilizado na purificação da água, atuando na remoção de metais pesados e patógenos”, explica Bayma. “Além disso, devido à sua estrutura porosa, ele é ideal para aplicações em filtros de ar e água, contribuindo para a melhoria da qualidade ambiental. No contexto energético, o carvão de bambu também possui um alto poder calorífico, tornando-se uma opção viável para biocombustíveis”, completa.
Ainda de acordo com o material da Embrapa Acre, a queima do carvão de bambu emite menos poluentes em comparação com combustíveis fósseis, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa. “Assim, o carvão de bambu se apresenta como uma solução promissora para o desenvolvimento sustentável, alinhando a utilização de recursos renováveis com a mitigação dos impactos ambientais”, finaliza Bayma.
Atenta ao potencial do bambu como biomassa para geração de energia, a FS Energia início um projeto experimental em 2019, com plantio de 5 mil hectares de bambu em Sorriso (MT). Após a primeira colheita, em 2023, e os resultados positivos, a empresa expandiu a área cultivada para 15 mil hectares.
Segundo a empresa, a decisão de adotar o bambu como biomassa se deu pela performance dessa matéria-prima. “As principais características do bambu como biomassa são o seu poder calorífico que fica em torno de 4.500 kcal. A produção varia de 45 ton/hectare a 60 ton/hectare, dependo da colheita em primeiro ou segundo ciclo. Além disso, o tempo de colheita do bambu é 50% menor, em relação ao eucalipto, por exemplo, o que é mais uma vantagem”, pontua Leonardo Pacheco, gerente-executivo da FS Florestal.
Mas a produção nacional, em geral, é feita principalmente por pequenos produtores, como Ângelo Pedrotti, de São Sebastião do Caí (RS). Ele cultiva 13 hectares de bambu gigante (Dendrocalamus asper) em área que originalmente a família cultivava legumese hortaliças, e comercializa mudas, bambu tratado para construção civil, carvão ativado para geração de energia, carvão ativado em cápsulas para uso medicinal e matéria-prima para produção de cosméticos.
“Temos uma localização privilegiada, de fácil escoamento do produto e clima favorável para produção. Descobrimos um mercado potencial, cuja demanda está crescendo, e fazer a troca de cultivos, há 24 anos, mostrou-se vantajoso para nós”, afirma Pedrotti.
Bioplástico
A produção de bioplástico de bambu é uma área emergente da bioeconomia que busca criar plásticos biodegradáveis ou de base biológica usando fibras ou celulose do bambu como matéria-prima. Embora o bambu ainda não seja uma fonte amplamente usada em escala industrial como o milho, cana ou batata, existem empresas e centros de pesquisa desenvolvendo materiais à base de bambu com aplicação em bioplásticos, especialmente na Ásia. A Embrapa Acre firmou parceria com a Inbar, cuja sede é na China, para intercâmbio de experiências no setor.
“A possibilidade de substituição dos plásticos convencionais por bioplásticos derivados do bambu é uma oportunidade que deve ser explorada, especialmente em um cenário global que busca alternativas mais sustentáveis”, indica estudo da Embrapa Acre.
“Com um cenário global cada vez mais focado em sustentabilidade, o bioplástico de bambu surge como uma alternativa viável e ecológica para reduzir o impacto ambiental causado pelos plásticos tradicionais. A expectativa é que, com o avanço da tecnologia e maior apoio à inovação, essa solução ganhe escala e competitividade nos próximos anos”, avalia o pesquisador da Embrapa Acre, Márcio Muniz Albano Bayma.
“Um pé de bambu se renova durante até 30 anos
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Biochar
Em relação ao biochar, carvão biológico produzido a partir do bambu, pode ser utilizado como um melhorador do solo, aumentando os teores de matéria orgânica, a retenção de água e a absorção de nutrientes no solo, melhorando a estrutura, e contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas, aponta o estudo da Embrapa Acre.
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“Nesse sentido, a aplicação de biochar de Guadua angustifolia kunth no solo é uma estratégia sustentável para aproveitamento de resíduos de plantações florestais, devido ao seu potencial contribuição para a melhoria das condições estruturais do solo e como agente gerador de condições favoráveis à assimilação de nutrientes pelas plantas”, avalia Bayma.
O produtor João Luiz Veiga Silva Filho iniciou o cultivo comercial de bambu há 15 anos. Ele cultiva diversas espécies em 5 hectares da propriedade localizada em São Pedro do Ivaí (PR). Foi um dos pioneiros na venda de biochar a partir de bambu, há dez anos, e vende mudas, principalmente para produtores interessados no plantio de cortinas vegetais nas matas ciliares.
“Nosso mercado foi impulsionado pelo aumento da demanda pela agricultura sustentável, melhoria da saúde do solo e sequestro de carbono. Enquanto o biochar aparece como excelente solução para aprimoramento do solo, as mudas ajudam na formação de bambuzais que atuam como barreiras físicas para proteger matas ciliares da deriva de defensores agrícolas, erosão do solo e sequestro de carbono”, avalia o produtor.
Construção Civil
A crescente demanda por materiais sustentáveis também chegou à construção civil, comenta Danilo Candia, um dos pioneiros na introdução do bambu Guadua augustifolia no país em 1992. Especialista em bioconstrução com bambu, ele cultiva hoje 11 hectares na cidade de Mambucaba (RJ), para utilização exclusivamente na construção civil.
Ele colhe, trata e mantém uma equipe de engenheiros e construtores especializados em projetos de edificações com bambu e atua em parceria com o renomado arquiteto colombiano Simon Velez para obras em todo o território nacional.
Há esforço de entidades e associações agropecuárias para que pequenos e médios produtos conheçam as possibilidades do cultivo de bambu como fonte de renda. Juliana Cortez Barbosa atua em duas delas. É presidente da Associação Brasileira de Bambu e assessora na Pró-Reitoria de extensão e Cultura da Unesp, com projetos voltados para o tema.
“Nosso trabalho tem foco na agricultura familiar. Conseguimos fechar parceria com empresas de utensílios no qual o fornecimento de um cabo de escova de cabelo de bambu gerava a renda equivalente à venda de uma caixa de tomate, para se ter uma ideia”, conta Juliana.
Uma novidade, ela conta, é a recente instalação de uma fábrica escola em assentamento rural na cidade de Pirituba (SP), para produção de piso de bambu, um produto de alto valor agregado. Ao todo, os projetos da Unesp com foco em bambu já capacitaram cerca de 3,5 mil produtores rurais.
A iniciativa, inclusive, terá representação na COP30. Com recursos doados pela Reagi Consultoria, Juliana e equipe comandarão a construção de uma área toda em bambu, para imersão de visitantes nessa cultura. “É muito importante chamar a atenção para o potencial da cadeia do bambu no país. Nosso objetivo é unir forças para conseguirmos avançar na regulamentação da já existente Lei Federal do Bambu. São orientações que podem significar maior reconhecimento junto à Inbar consequente maior apelo internacional para nossos produtos”, avalia Juliana.