
Uma rede do interior de São Paulo reúne agricultores familiares, jovens estudantes e professores dedicados a ampliar a adoção de variedades locais Criar e manter um banco de sementes crioulas é uma estratégia de resistência agrícola em tempos de crise climática. A aposta é de uma rede formada por produtores, estudantes e professores de escolas agrícolas, cujo o objetivo comum é espalhar variedades ‘puras’ em todo o Brasil.
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Um grão crioulo é aquele que não sofreu modificação genética, que é mantido por décadas para assegurar a sucessão do conhecimento ancestral e tradicional, em especial de indígenas e quilombolas, conforme define a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer).
A agroecologia e a produção familiar têm ajudado a viabilizar a multiplicação de sementes crioulas. Com o tempo, elas precisam ser reinseridas no campo a fim de estimular um cultivo que já não está produzindo, mesmo depois de passar por melhoramento genético, como explica Lauro Kenji, engenheiro agrônomo e professor da Escola Técnica Estadual (Etec), no campus de Andradina (SP).
Na fazenda experimental da Etec há 14 alqueires paulistas (aproximadamente 34 hectares), onde se cultivam sementes de todos os tipos: milho, urucum, feijão, cana caiana, mandioca, entre outros alimentos e sistemas de cultivo, como o SAF (agricultura e floresta). Segundo Kenji, o trabalho é uma forma de não perder tesouros nacionais.
“O material genético das sementes crioulas é muito importante para fazer o cruzamento entre plantas e garantir a biodiversidade, porque é ela que possui a base genética pura. É um DNA brasileiro 100% e adaptado para cada região”, explica à Globo Rural, durante a 5º edição da Feira Nacional da Reforma Agrária, onde o profissional estava expondo alguns materiais puros para plantio.
Ele é um dos responsáveis pela multiplicação de sementes crioulas junto com o parceiro Leandro Barradas, que acrescenta outro benefício agronômico gerado pelas crioulas: a reintegração da agricultura aos terrenos urbanos, em especial de áreas que estão abandonadas e podem servir de espaço para a multiplicação, gerando renda aos municípios que topem adotar a estratégia.
“A ideia é incentivar a biodiversidade para garantir a soberania alimentar”, destaca Barradas, que considera a multiplicação de sementes crioulas um resgate agronômico e cultural.
Sucessão familiar
Além disso, outra preocupação dos educadores é a sucessão familiar. Para garantir que as sementes crioulas sejam replicadas nas propriedades locais, os professores estimulam os estudantes a multiplicarem os materiais genéticos nas lavouras da família, criando um ciclo de produção e de manutenção de ensinamentos agronômicos tradicionais.
São os jovens que coordenam o projeto no campus de Andradina, onde trabalham os dois profissionais. Eles conseguem distribuir os 140 materiais cultivados experimentalmente em Andradina, com capacidade de levá-los a produtores de 12 municípios ao redor. Há a Cooperativa Escola envolvida para auxiliar na distribuição das sementes e na gestão financeira.
Guardião de sementes
O produtor e guardião de sementes José Luiz Chagas vive com a família em um lote de 10 hectares, que nomeou de Sítio Alvorada. O terreno está dentro do assentamento Regência, em Paulicéia (SP).
Sementes crioulas de Urucum
Isadora Camargo/Globo Rural
“Eu me tornei guardião de sementes crioulas em 2004 e, hoje, me considero um grande fornecedor. Produzo cerca de 150 variedades de sementes crioulas, desde plantas medicinais, frutíferas, plantas nativas e animais crioulos, como porco e galinha caipira. Fazendo esse projeto, eu transformei a área em um parque ecológico”, conta orgulhoso à Globo Rural.
Com o trabalho de multiplicação, Chagas já consegue fornecedor 2 toneladas de sementes crioulas, principalmente para comunidades indígenas de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. A demanda pelas sementes é para replantio e reflorestamento, acrescenta.
Para ele, o sítio é um santuário de sementes crioulas, entre elas está o urucum, que é a maior fonte de renda do produtor no momento, devido ao interesse da indústria de corantes. Este ano, Chagas espera produzir 10 toneladas de urucum com seus cinco mil pés. Cada planta costuma dar 2 kg do alimento, agrega o produtor.
O quilo é vendido a R$ 20,00 e, para este ano, ele espera lucrar R$ 120 mil, dinheiro que pretende reinvestir para aumentar o plantio de sementes crioulas. Por esse trabalho, Chagas se tornou coordenador nacional dos Guardiões da Biodiversidade.
“Temos uma questão muito séria com a crise climática, além dos transgênicos que afeta muito os produtores de sementes crioulas, por isso tentamos articular a nível nacional para ter legislação que nos protege, tanta as sementes crioulas e os guardiões, que estamos protegendo a vida”, enfatiza.
O que diz a lei
A legislação brasileira reconhece oficialmente as sementes crioulas. Pela Lei nº 10.711/2003, conhecida como Lei de Sementes, agricultores familiares, comunidades indígenas e assentados da reforma agrária estão isentos da obrigatoriedade de registro no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem) para produzir, trocar ou comercializar sementes e mudas.
Além disso, a norma dispensa as variedades crioulas da inscrição no Registro Nacional de Cultivares (RNC).